30 setembro 2003

Reflexos de retórica (4)

A TECNOLOGIZAÇÃO DO PEITHOS

De um ponto de vista operativo, a técnica não é, afinal, mais do que um determinado modo de fazer ou agir. Nuns casos, recorrendo a máquinas, a instrumentos, noutros, seguindo um conjunto de procedimentos ou regras. Pode-se assim falar tanto da técnica de fabricar sapatos como da técnica para dispor os livros numa biblioteca. Duas tarefas concretamente tão diferenciadas mas ainda assim ilustrativas do que é uma técnica. A primeira, técnica de produção; a segunda, técnica de arquivo ou de ordenação. E num plano mais abstracto, falaríamos mesmo de uma técnica de pensar ou de uma “técnica das ideias”, tal como o fazem Armando Plebe e Pietro Emanuele (*). Em qualquer caso, sempre um modo de fazer, de seguir certos passos (e não outros) quando se pretende atingir determinado fim.

Técnica. Uma noção que remete para a economia do esforço, para a eficácia ou optimização do resultado, mas também para a comodidade, para o agrado, para o bem estar. A constatação, por isso, já não surpreende: todos recorremos a técnicas. A começar pelas técnicas de escrever e de falar, às quais cometemos a ambiciosa missão de fazer ver aos outros o que pensamos e lhes queremos comunicar. É, portanto, natural que, quando o interesse seja o de fazer partilhar uma opinião ou induzir a um certo comportamento, a retórica surja como técnica de eleição. Como técnica de persuadir discursivamente.

Peithos. O Peithos significa, como se sabe, persuasão. E esta tem a ver com uma infindável série de actos ou situações: induzir ou ser induzido por alguém a acreditar em algo (ou induzir-se a si próprio); fazer amigos; obter um favor; levar (ou ser levado por) alguém a praticar uma certa acção, ter confiança, etc. Há, contudo, muitas maneiras de chegar à persuasão. Pode-se persuadir pelo dinheiro, pelo amor, pela força física, pelo poder, pela ameaça, pela promessa. Pode-se até persuadir pela guerra (para garantir a paz). Não é, porém, de nenhum destes tipos de persuasão que trata a retórica. À retórica diz respeito apenas a chamada persuasão discursiva, ou seja, a que tem origem e se exerce na (e pela) palavra. Faz todo o sentido, por isso, afirmar que a retórica se apoia na força do dizer. Mas mais sentido fará ainda reconhecê-la como técnica ou arte de pensar. Porque não há retórica sem reflexão, sem argumentos, sem razões. E, muito menos, sem o livre exame e aprovação (ou não) do respectivo auditório.

A expressão "tecnologização do peithos" é, pois, muito sugestiva para caracterizar o que se passa na retórica especialmente se articulada com as três noções prévias seguintes:

1) A retórica, visando a persuasão, não se esgota nela. Toda a situação retórica se funda, antes de mais, num processo de comunicação. O que dá identidade retórica a este processo de comunicação é o facto de ele visar determinados efeitos persuasivos. E neste entendimento, a retórica estará para o acto (de comunicar) assim como a persuasão para o efeito (da comunicação).

2) Dizer que a retórica assenta numa tecnologização da persuasão pode eventualmente sugerir que a sua tónica seja a exploração do lado emocional do auditório. Quando não é disso que se trata. Do que se trata é que a retórica lida com o concreto, com a realidade. E a realidade (ao que parece, para desconsolo de alguns), é que os seres humanos são, de facto, criaturas mais ou menos apaixonadas, cujos pensamentos e decisões podem ser influenciados por apelos à emoção (pathos), como o são também pela credibilidade do escritor ou orador (ethos) e, principalmente, pelas razões por eles invocadas (logos).

3) A "tecnologização do peithos” terá, por isso, de ser entendida como operando de modo abrangente e repartido pela tríade ethos-logos–pathos (carácter-razão-emoção). Desde logo, porque não é humanamente possível transmitir ou receber uma mensagem puramente objectiva, puramente factual, puramente lógica. É verdade que o discurso retórico se estrutura logicamente e que, consistindo, sobretudo, numa apresentação das razões em favor de uma tese ou conclusão, apela, necessariamente, para o raciocínio lógico do auditório. Mas quem estaria disposto a ouvir um “sermão” carregado de certeza e verdade, se o orador não lhe inspirasse confiança ou se a forma e o conteúdo do discurso passassem totalmente ao lado das suas necessidades, dos seus interesses, dos seus desejos, dos seus afectos ou emoções?

(*) Plebe, A. e Emanuele, P. (1992), Manual de Retórica, São Paulo: Martins Fontes, p. 9

Excertos de um livro não anunciado (86)

(...) A sua filosofia teria assim como finalidade a descoberta da verdade e como fundamento a evidência. Seria uma filosofia inteiramente nova, uma verdadeira ciência que progrediria de evidência em evidência. Apenas enquanto não se alcançasse por este método o conhecimento da verdade seria necessário deitar mão a uma moral provisória cuja necessidade Descartes justifica do seguinte modo: "para não ficar irresoluto na minha conduta, enquanto a razão me obrigasse a sê-lo nos meus juízos, e, para não deixar de viver, desde então, o mais felizmente possível, formei para mim próprio uma moral provisória constituída somente por três ou quatro máximas...." * (...)

* Descartes, R., (1988), Discurso do Método, Porto: Porto Editora, p. 78

29 setembro 2003

Um senhor provocador

"Ao ler os diálogos Socráticos, tem-se a sensação de uma tremenda perda de tempo! Qual é o sentido destes argumentos que nada provam e nada clarificam?"

Ludwig Wittgenstein

Wittgenstein, L. (1996), Cultura e Valor, Lisboa: Edições 70, p. 30

Excertos de um livro não anunciado (85)

(...) Mas, como sublinha Perelman, a questão não reside no método cartesiano em sim mesmo, mas sim, no desmesurado âmbito da sua aplicação, que relembremos, seria o de "todas as coisas que podem cair no conhecimento dos homens" *. É que Descartes tão pouco quis limitar as suas regras ao discurso matemático, antes se propôs fundar uma filosofia verdadeiramente racional e é aí, como acentua Perelman, que ele dá "...um passo aventureiro, que o conduz a uma filosofia contestável, quando se lembra de misturar uma imaginação propriamente filosófica com as suas análises matemáticas, transformando as regras inspiradas pelos geómetras em regras universalmente válidas"** (...)

* Descartes, R., (1998), Discurso do Método, Porto: Porto Editora, p. 73
** Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 163

28 setembro 2003

A dita eloquência (34)

"tão irracional seria exigir de um matemático uma mera probabilidade, como exigir de um orador demonstrações formais"

Aristóteles

Aristóteles, Ética a Nicómano

Excertos de um livro não anunciado (84)

(...) (...) O que surgisse ao espírito do homem como evidente, seria necessariamente verdadeiro e imediatamente reconhecível como tal. Por princípio e por método, não se deveria conceder qualquer crença quando se trate de ciência, da qual, afirma Descartes, cumpre eliminar a menor dúvida. É, de resto, nesta linha de pensamento que surge a sua conhecida tese de que a cada vez que sobre o mesmo assunto dois cientistas tenham um parecer diferente "é certo que um dos dois está enganado; e até nenhum deles, parece, possuiu a ciência, pois, se as razões de um fossem certas e evidentes, ele poderia expô-las ao outro de uma tal maneira que acabaria por convencê-lo por sua vez" * (...)

* Descartes, Oeuvres, ed. de la Pléiade, Paris, 1952, p. 40 cit in Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 211

27 setembro 2003

A dita eloquência (33)

"é precisamente por ser um bem (agathon) que a retórica pode ser pervertida"

Olivier Reboul

Reboul, O. (1998), Introdução à Retórica, São paulo: Martins Fontes, p.23

Excertos de um livro não anunciado (83)

(...) O que surgisse ao espírito do homem como evidente, seria necessariamente verdadeiro e imediatamente reconhecível como tal. Por princípio e por método, não se deveria conceder qualquer crença quando se trate de ciência, da qual, afirma Descartes, cumpre eliminar a menor dúvida. É, de resto, nesta linha de pensamento que surge a sua conhecida tese de que a cada vez que sobre o mesmo assunto dois cientistas tenham um parecer diferente "é certo que um dos dois está enganado; e até nenhum deles, parece, possuiu a ciência, pois, se as razões de um fossem certas e evidentes, ele poderia expô-las ao outro de uma tal maneira que acabaria por convencê-lo por sua vez"* (...)

* Descartes, Oeuvres, ed. de la Pléiade, Paris, 1952, p. 40 cit in Perelman, C., Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 211

26 setembro 2003

O verdadeiro espí­rito de um blogue

Pelo que tenho lido por essa blogosfera há quem se oriente por um chamado verdadeiro espí­rito de um blogue, para avaliar a maior ou menor conformidade de cada blogueador com o que aqui deveria escrever. Suponho que o carácter normativo desse espí­rito se estenderá igualmente ao modo, ao como, ao para quem e, quem sabe, talvez até, também, ao quem e ao porquê. A sí­ntese, reconheça-se, é poderosa: verdadeiro espírito de um blogue. Mas nem tudo nos corre bem na vida: quando quis descrever esse espí­rito, não o encontrei.

Excertos de um livro não anunciado (82)

(...) Sabe-se, com efeito, como ao fazer da evidência o supremo critério da razão, Descartes "não quis considerar como racionais senão as demonstrações que a partir de ideias claras e distintas, propagariam, com a ajuda de provas apodícticas, a evidência dos axiomas a todos os teoremas" * (...)

Perelman, C., De l’évidence en métaphysique, in Le Champ de L’argumentation, Presses Universitaires de Bruxelles, 1970, p. 236

O "poder divinizado"...

Gosto de ler o sempre bem humorado António do opiniondesmaker. Muito interessante, por exemplo,é a sua apreciação às expressões mais correntes daquilo a que chama de "poder divinizado" (seu post de 23.09.2003).

25 setembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (81)

(...) O renascimento do interesse pela retórica muito deve à chamada "Escola de Bruxelas" *, onde - não obstante as diferentes perspectivas de análise - três dos seus maiores representantes, Dupréel, Perelman e Meyer, convergiam num ponto fundamental: a crítica ao racionalismo clássico. É justamente a partir dessa ruptura com uma razão necessária, evidente e universal que Perelman vai elaborar a “filosofia do razoável” com que, epistemológica e eticamente, recobre a sua nova retórica, propondo um novo conceito de racionalidade extensivo ao raciocínio prático, mais compatível com a vivência pluralista e a liberdade humana do que o consentiria a respectiva noção cartesiana de conhecimento. (...)

* Grácio, R., (1993), Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 14

24 setembro 2003

Reflexos de retórica (3)

A RAIZ DEMOCRÁTICA DA RETÓRICA

“A prova (uma das provas) de que para haver diálogo autêntico é necessário já desfrutar da liberdade está no facto da retórica, como se sabe, ter nascido em berço democrático e ainda hoje só nesse contexto político encontrar o seu espaço de afirmação.” – afirmei no meu post “Três pontos...” do passado dia 15.

Procuro hoje justificar porque fiz (e faço) essa ligação entre a liberdade e a raiz democrática da retórica. Em primeiro lugar, trata-se de uma ideia consensual entre os autores de retórica, os quais descrevem a realidade sócio-política em que a retórica emergiu como extremamente favorável ao seu desenvolvimento. Recordemos que nessa altura, de facto, Atenas não poderia ser mais democrática. As decisões políticas eram tomadas pela Assembleia composta na totalidade por cidadãos livres. Qualquer um poderia intervir para fazer, defender ou rebater propostas. E quanto às causas judiciais, essas eram dirimidas por um vasto corpo de jurados eleitos por sorteio entre cidadãos voluntários sem qualquer requisito prévio. Não havia, portanto, nem juizes, nem políticos profissionais, como há hoje. Logo, quem quisesse ver aprovada a sua proposta na Assembleia ou fazer valer seus direitos num tribunal, tinha que saber usar a palavra para persuadir o respectivo auditório. Não bastava ter razão ou ser inocente. Era preciso, ainda, saber defender publicamente essa razão ou inocência.

Não faz sentido fazer aqui a caracterização rigorosa quer do modelo democrático dessa época quer daquele em que hoje vivemos. Seguramente que nenhum dos dois é perfeito. Mas quando se questiona a natureza democrática do regime ateniense pelo facto de não incluir os escravos, os estrangeiros e as mulheres, convém lembrar que, na prática, as situações de degradante marginalização e exclusão social a que continuamos a assistir são em muitos casos perfeitamente equiparáveis à antiga escravatura. E o mesmo se diga dos estrangeiros e das mulheres que vivem ainda tanto numa fase de conquista e afirmação dos seus direitos de não discriminação e cidadania como na permanente luta pela sua aplicação. Neste aspecto, pelo menos, o sistema antigo talvez tenha sido mais transparente, assumindo desde logo, o que negava. Pelo contrário, o modelo actual faz, por vezes, lembrar uma “democracia de papel” onde a afirmação pública de um conjunto de leis, direitos e princípios nem sempre têm a menor correspondência prática.

Do que não há dúvida é que, embora subordinada a diferentes contextos históricos e culturais, a liberdade é a bandeira comum que em ambos os modelos se afirma num contexto de igualdade de direitos e autonomia de expressão. E essa é a primeira condição, uma condição externa, para que a retórica seja possível: a “liberdade de contexto”. É esta que “faz do diálogo um verdadeiro diálogo, em que cada um pode criticar os argumentos do outro contanto que produza os seus” *. A segunda condição, uma condição interna, é aquilo a que chamo “liberdade interlocutiva”. Porque o facto de um confronto de opiniões decorrer em ambiente democrático, não garante ainda que de uma situação retórica verdadeiramente se trate. Para isso, é preciso que os intervenientes ajam de boa fé, se respeitem e concedam a palavra a todas as objecções. Uma condição, pois, de recorte acentuadamente ético.

Pode então dizer-se que, não sendo condição suficiente, a liberdade que a democracia assegura é, no entanto, necessária à retórica. Tão necessária, no mínimo, como a retórica o é em relação ao exercício e à manutenção da própria democracia. Sylvain Auroux e Yvone Weil, por exemplo, no seu “Dicionário de Filosofia”, não hesitam em ligar a instauração da retórica à prática da discussão política na Antiga Grécia. Mas é Tito Cardoso e Cunha quem melhor descreve a raiz democrática da retórica: “É sempre preciso uma situação de democracia, de reconhecimento da igualdade de situação dos interlocutores e, sobretudo, de reconhecimento do outro como capaz de receber os meus argumentos e ser convencido por eles. Só assim se pode ter um discurso retórico. Só uma situação democrática o permite. Por isso é que não é por acaso que, historicamente, o termo retórica aparece pela primeira vez nos gregos, na democracia ateniense”

É pois este regime de liberdade da retórica, que, afastando o recurso quer à violência quer ao poder ditatorial, lhe pode conferir um lugar proeminente no exercício da própria cidadania. Mas para isso, evidententemente, seria necessário que a retórica deixasse de ser um exclusivo de alguns, dos homens de marketing, das vendas, da publicidade, da política ou dos media para passar a integrar a competência argumentativa, não apenas dos escritores ou oradores, mas também dos seus leitores ou ouvintes. Não apenas de alguns eleitos mas dos cidadãos em geral. Porque “Numa cultura democrática as diferentes opções de cada qual pressupõem igualdade de acesso à compreensão dos saberes, nomeadamente, dos que respeitem ao acto comunicativo. E deste ponto de vista, o conhecimento retórico não pode nem deve constituir-se como excepção” **. Mas aí... a retórica já é outra.

* Reboul, O., (1998), Introdução à Retórica, S. Paulo: Martins Fontes, p. 231
** Sousa, A. (2003), A Persuasão, Covilhã: Editora Universidade da Beira Interior, p. 208

Excertos de um livro não anunciado (80)

(...) Como sublinha Breton, foi preciso esperar até aos anos 60 para renascer o interesse da retórica, precisamente numa “época em que se começa a tomar consciência da importância e do poder das técnicas de influência e de persuasão aperfeiçoadas ao longo de todo o século e em que a publicidade começa a invadir com força a paisagem social e cultural” * (...).

* Breton, P., (1998), A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, p. 17

23 setembro 2003

A dita eloquência (32)

"a retórica é anterior à sua história"


Olivier Reboul


Reboul, O., (1998), Introdução à Retórica, S. Paulo: Martins Fontes, p. 1

Excertos de um livro não anunciado (81)

(...) E é justamente no cartesianismo e na sua rejeição do verosímil que se deve localizar a grande dificuldade da retórica em manter um lugar central nos sistemas de pensamento moderno. Em traços gerais, pode dizer-se que este foi um período de confrontação entre a cultura da evidência e a cultura da argumentação, com esta última a ficar para trás, alvo de um descrédito que afinal, não lhe diz respeito, na medida em que tal descrédito se relacionava apenas com o aspecto estético do discurso. (...)

22 setembro 2003

Oh, Oh, António...

Há dias, o António do opiniondesmaker, depois de confessar que se quer convencer não apenas a si próprio mas até a Deus (!), deixava a seguinte interrogação no ar:

"Deverei usar artes de persuasão ou de ornamentação ?
O estimado Américo que não me deixe apeado....porque eu preciso destes discursos como do pão para a boca".


Hesitei se deveria responder ou não. Numa primeira interpretação, pareceu-me que o António quis apenas fazer um pouco de humor, para o que recorreu até à "graça" de Deus. Mas ao reler "o estimado Américo que não me deixe apeado" detectei uma carga tão apelativa que me "persuadi" de que não tenho o direito de o desiludir, estimado António. Por isso, embora proporcional à modéstia dos meus recursos, aqui tem a minha opinião:

Sendo evidente o plano secundário para que parece remeter os argumentos (nem falou neles) na tarefa de persuadir, o melhor é desfazer esse dilema de meios e apostar em ambos, sendo certo que:

1) Quem se queira convencer a si proprio, não tem melhor "arte de persuasão" do que passar a pensar melhor. Com a vantagem de que quem já pensa o melhor possível não precisa de se convencer. Já é convencido.

2) Para convencer Deus, sugiro, como "ornamentação", um digno paramento. Uma ousadia bem justifica a outra.

A brincar, a brincar...

Excertos de um livro não anunciado (80)

(...) No mesmo sentido vai Philippe Breton quando se interroga sobre as razões porque a partir do séc. XIX, a retórica, como matéria de ensino, desapareceu dos programas escolares e universitários em França. Também ele pensa que o definhamento da retórica começou muito antes do séc. XIX, fundando essa sua posição, nomeadamente, no pensamento de Roland Barthes: "este descrédito é trazido pela promoção de um valor novo, a evidência (dos factos, das ideias, dos sentimentos) que se basta a si mesma e passa sem a linguagem (ou crê poder passar), ou pelo menos, finge já se servir dela apenas como de um instrumento, de uma mediação, de uma expressão. Esta 'evidência' toma, a partir do séc. XVI, três direcções: uma evidência pessoal (no protestantismo), uma evidência racional (no cartesianismo), uma evidência sensível (no empirismo)" * (...)

* Breton, P., (1998), A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, p. 16

Um bom slogan

"Ir ao céu sem morrer é o que nós fazemos" - acaba de afirmar Alexandra Solnado no programa de Herman José.

Não sei do que se trata. Mas se é o "slogan" para alguma agência de viagens, a frase não poderia ser mais feliz...

21 setembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (79)

(...) E é na sequência desta classificação de Pedro Ramo, que o seu amigo Omer Talon, publica em 1572, na Colónia, a primeira retórica sistematicamente limitada ao estudo das figuras, sob o entendimento de que a figura é “uma expressão pela qual o desenvolvimento do discurso difere do recto e simples hábito” * É aqui que Perelman estabelece o nascimento da retórica clássica, uma retórica das figuras que, por degenerescência, iria conduzir progressivamente à morte da própria retórica. (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 23

A dita eloquência (31)

"A mim o que me interessa é argumentar, persuadir e se possível convencer, porque não sou indiferente ao que penso e àquilo sobre que tenho opiniões, não sou indiferente aos resultados das palavras na acção (...)"

José Pacheco Pereira

in post ANATOMIA DE UM SARILHO, de 2003.09.21, no Abrupto

Reflexos de retórica (2)

A "PECULIAR VIOLÊNCIA" DA RETÓRICA

A palavra violência presta-se, também no contexto da retórica, a numerosos equívocos. Quero, por exemplo, perceber o que poderia ser a aludida "violência peculiar da retórica" e vejo-me em nítidas dificuldades. Sim, o que será este tipo de violência? O recurso às armas ou à força física para impor uma certa opinião ou verdade? A utilização de um discurso cheio de truques ou preconcebidas omissões com a deliberada intenção de enganar? A exploração da boa fé afectivo-emocional ou de eventual fragilidade psicológica para forçar a capitulação perante um inconfessado desejo ou interesse?

Não. Não pode ser a este tipo de violência que se quer aludir quando se aponta o dedo à "violência da retórica". Por uma razão simples: nenhum desses três procedimentos tem a ver seja o que for com uma actualizada concepção de retórica. Não há nem poderia haver algum autor retórico que os preconize. Justamente porque violam alguns dos mais fundamentais princípios da retórica contemporânea: o regime de liberdade, o confronto de opiniões, a alternância da palavra, a ética da discutibilidade.

Resta a hipótese da violência puramente discursiva. Mas o problema é que reclamar dessa violência será reclamar, afinal, do próprio dizer, da fala e da escrita. Porque da retórica se diga o que Roland Barthes afirma da crítica: como poderia ela ser "interrogativa, optativa ou dubitativa, sem má fé, se ela é escrita e se escrever é precisamente deparar com o risco apofântico, a alternativa inelutável do verdadeiro/falso?"* Analogamente, veja-se também como Michel Meyer tão claramente sustenta que "censurar o discurso por ser manipulador reduz-se na realidade a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da discursividade apresentar-se como um responder, como resposta, tal como está nas nas mãos dos homens decidir encarar ou não esse facto, aceitá-lo ou não (...) enfim, pronunciar-se livremente ou fiar-se no que os outros lhe propõem, muitas vezes em função de interesses próprios" **

Pergunto, então: o que é que de mau a retórica acrescenta a esta endógena violência do próprio dizer que, naturalmente, surge como resposta? Poderemos endossar à retórica o que constitui, afinal, uma característica essencial de todo o discurso?


* Barthes, R., Crítica e Verdade, Lisboa: Edições 70, 1997, p. 76
**Meyer,M., As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, 1994, p.70

20 setembro 2003

A dita eloquência (30)

"O poder é como um cavalo de Tróia, está sempre oculto... enquanto espera"

José Bragança de Miranda, hoje, no reflexos de azul electrico - post poder

Excertos de um livro não anunciado (78)

(...) Note-se a amplitude com que a dialéctica surge nesta classificação, abrangendo tanto o estudo das inferências válidas como a arte de encontrar e julgar os argumentos. Com esta ampliação da dialéctica, naturalmente, a retórica de Aristóteles teria que ficar privada das suas duas partes essenciais, a invenção e a disposição, restando-lhe apenas a elocução, traduzida pelo estudo das formas de linguagem ornamentada. (...)

19 setembro 2003

Digam qualquer coisinha

Faz hoje, às 17h01, quatro dias que o post "Ódio aos jornalistas" permanece no topo do Glória Fácil. E na sua congénita imobilidade (técnica), chega a parecer um autêntico cartaz. Para quem lê o que nele escreveu JPH, a impressão que fica (ou pode ficar) é a de que essa "paragem no tempo" do blogue, terá sido intencional. Como que com isso se tenha pretendido assegurar maior e mais persistente visibilidade para uma mensagem de choque, de desagrado e de revolta, perante os injustos ataques de que os seus autores terão sido alvo.

Não testemunhei tais ataques nem sei muito bem a que "elites" JPH concretamente se refere. Mas neste momento, também não é isso o que mais me interessa. Venho aqui, sobretudo, para dizer que considero valiosa e imprescindí­vel a presença dos jornalistas na blogosfera, nomeadamente, a dos conceituados autores do "Glória Fácil". No que, por certo, não estou só. Por isso, já sabem, toca mas é a escrever, sob pena de defraudarem a expectativa deste vosso fiel leitor e de tantos outros, afinal. É que não há direito: são já quase 100 horas consecutivas sem sinal de vida por aquelas paragens. Vá lá, digam qualquer coisinha.

Esquerda, direita, ser ou não ser...

"Para além disso, eu não sou de direita" - afirmava ontem Pacheco Pereira, no seu Abrupto.

Logo, se a razão está com Pedro Mexia quando distingue apenas entre direita e esquerda, não tem nada que saber: Pacheco Pereira só pode ser de esquerda. E eu, um irónico.

Excertos de um livro não anunciado (77)

(...) Perelman fixa a instauração da retórica clássica no séc. XVI, quando Pedro Ramo define a gramática como a arte de bem falar (falar correctamente), a dialéctica como a arte de bem raciocinar e a retórica como a arte de bem dizer (fazer um uso eloquente e ornamentado da linguagem). (...)

18 setembro 2003

Foi assim

Quando enviei o meu post anterior "Uma jogada de mestre" não imaginava ainda que Pacheco Pereira também tinha reparado no artigo de José Saraiva e que sobre ele escrevera no Publico de hoje, jornal que li apenas à hora do almoço. Um excelente artigo, por sinal, que só não "linkei" por, na altura, dele não ter ainda conhecimento. Pode lê-lo aqui.

Uma jogada de mestre

Leio o artigo de José Saraiva, no JN de ontem e fico estupefacto com a "transparência" com que este jornalista, militante do PS e deputado da Nação aparece a promover o caciquismo (partidário). Está em causa o "engenheiro Gaspar" e o poder pessoal que, pelos vistos, ainda detem no interior do seu partido. Pode consultar o artigo aqui mas não resisto a transcrever, de imediato, algumas das suas passagens mais sugestivas:

É preciso, nos jogos políticos, saber surpreender. Não é fácil… Por vezes, um simples movimento táctico é interpretado - principalmente por comentadores de ocasião… - como se se tratasse de gesto desprezível. Não é raro o engano: a tempo, ver-se-á.

O engenheiro Gaspar, silencioso, sorriu. Com desdém olha para uns e para outros, como um "mestre" para o tabuleiro que está colocado diante de si. Tem consciência de que lançou um aviso sério à navegação.

Por isso, os que menosprezaram a inteligência e a capacidade de movimentar as peças do xadrez por parte deste transmontano adoptado pelo Porto cometeram um erro crasso. Que pode pagar bem caro se teimar em subestimá-lo.

O que o eng.º Gaspar disse na última semana - não fazendo declarações - é que "não foi para casa" e que têm de o ouvir e, até, mesmo, de lhe satisfazer certos caprichos."

Como observador comprometido - mesmo não tendo estado do mesmo lado nos últimos combates - digo-o, com sinceridade, para não brincarem com o "mestre"



Não será o aviso deste "observador comprometido" a verdadeira jogada de mestre? Seja como for: ao que "isto" chegou...

17 setembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (76)

(...) É indispensável, por isso, examinar as figuras dentro do contexto em que surgem. De outro modo, escapa-nos o seu papel dinâmico e todas se tornarão figuras de estilo. "Se não estão integradas numa retórica concebida como a arte de persuadir e de convencer, deixam de ser figuras de retórica e tornam-se ornamentos respeitantes apenas à forma do discurso" * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 19

Reflexos de retórica (1)

Registo e muito agradeço as generosas palavras com que José Bragança de Miranda se referiu a este blogue. Ainda que imerecidas, não deixarão de ser reconfortantes. Muito obrigado.

Quanto aos seus instigantes comentários, são tantos e tão importantes os aspectos retóricos que abordou que julgo mais adequado aligeirar a minha "resposta", repartindo-a por vários posts. Não deixarei, porém, de me pronunciar sobre cada um dos 10 pontos a que José Bragança de Miranda se referiu:

1) a violência peculiar da retórica
2) a raiz democrática da retórica
3) a tecnologização do Peithos
4) a distinção entre retórica e persuasão
5) o co-mover, a sedução pela razão ou pela emoção
6) o "obriga a mudar de lugar, a dirigir-se para onde não estava"
7) a retórica nos media
8) a retórica mecânica que simula
9) o quadro que parece armadilhado
10) a concepção retórica de Carlos Michelstaedter


Já se vê que agora sim, temos mesmo "pano para mangas". Mas devagar se vai ao longe, tanto mais que o reflexos de azul eléctrico acaba de passar ao regime de fim de semana. Prometo, por isso, doses homeopáticas...

Excertos de um livro não anunciado (75)

(...) É por isso que Chaim Perelman estabelece uma diferença nítida entre figuras de retórica e figuras de estilo, quando afirma: "Consideramos uma figura como argumentativa se o seu emprego, implicando uma mudança de perspectiva, parece normal em relação à nova situação sugerida. Se, pelo contrário, o discurso não implica a adesão do auditor a esta forma argumentativa, a figura será entendida como ornamento, como figura de estilo. Ela poderá suscitar admiração, mas no plano estético, ou como testemunho da originalidade do orador" * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 19

16 setembro 2003

Dupla vida virtual

Nunca imaginei que tal me viesse a suceder: tenho uma dupla vida virtual. Eu explico:


1.ª vida virtual

Criei este blogue para mandar uns "bitaites" sobre temas que me interessam. Quis com isso submeter a crivo público e, se possível, também ao confronto, as minhas ideias sobre a argumentação ou persuasão discursiva. O blogue pareceu-me ser, a um tempo, o "lugar" certo e a "ferramenta" ideal. Não precisei de muito, por isso, para me persuadir. Num abrir e fechar de olhos já cá estava, longe ainda de fazer a mais pequena ideia do tempo que esta "brincadeira" me viria tomar. Mas não é isso que é grave. Grave é que não estou nada arrependido.


2.ª vida virtual

Andava eu cogitando em torno desta mudança no meu viver, nos meus horários, nos meus devaneios e até no psicológico encurtamento dos dias que de tudo isto (para mim) resulta, quando, à mistura com os naturais emails de benevolentes saudações, começo a receber também um outro tipo de correio a que chamarei de correio interventivo. São pessoas que me pedem esclarecimentos ou me questionam sobre alguns dos temas que vou abordando nos meus posts e o fazem com tal qualificação cultural e simpatia que é impensável deixar sem resposta. Mas o que falta dizer é que, regra geral, estes meus queridos correspondentes, incluindo os que têm também o seu próprio blogue, preferem manter o debate em correio privado. São, pois, estes os verdadeiros responsáveis pela minha segunda vida virtual. Mas nada disto é grave. Grave é que não estou nada arrependido.

Excertos de um livro não anunciado (74)

(...) Ora, ao referir-se à metáfora nos dois tratados, Aristóteles mostra-nos que a mesma figura pertence aos dois domínios, exercendo não só uma acção retórica, como desempenhando também um papel na criação poética. (...)

15 setembro 2003

Três pontos corrigidos...

Relendo, agora à luz do dia, o último "Blogando", do reflexos de azul electrico, verifico que interpretei erradamente uma parte significativa do respectivo texto. Imperdoável. Bem sei que já eram quase 4 h da manhã quando li o "Blogando" e fiz o meu post. Mas garanto que estava sóbrio. Seja como for, urge reparar minha distracção e pedir desculpa a José Bragança de Miranda, pelo lapso. Ainda pensei em corrigir o meu post anterior, "actualizando-o". Mas acabei por fazer um novo (este), por me parecer o procedimento mais transparente.

Asssim, por não se justificar o sentido que incialmente dei às frases "Aparentando estar a «responder» pela minha afirmação" e "Nenhum destas consequências está no início e, menos ainda, a retórica ou a persuasão", o meu esclarecimento a José Bragança de Miranda, em boa verdade, limita-se ao seguinte:

1) De facto, não escrevi que "é preciso" responder por elas. E isso faz toda a diferença, ou seja, não "prescrevi" nada, apenas constatei a realidade para que apontava a citada expressão de José Bragança de Miranda. E essa realidade é a de que se há aqui (na blogosfera) algo de comum a todos nós é o de estarmos autorizados a fazer considerações no nosso blogue.

2) O que se passou foi que achei a frase muito feliz e bem ilustrativa do que pretendia realçar no meu post. E por isso a citei.

3) Não há pois alguma divergência. Nem mesmo quanto ao que "é primeiro ou o que vem depois". A prova (uma das provas) de que para haver diálogo autêntico é necessário já disfrutar da liberdade está no facto da retórica, como se sabe, ter nascido em berço democrático e ainda hoje só nesse contexto político encontrar o seu espaço de afirmação.

Desculpas.

Excertos de um livro não anunciado (73)

(...) Sobre as figuras, no entanto, é necessário proceder a uma importante distinção. Como diz Ricouer, ao lado da retórica fundada na tríade retórica-prova-persuasão, Aristóteles elaborou também uma poética que não é técnica de acção mas sim técnica de criação e que corresponde à tríade poiésis-mimésis-catharsis. (...)

Três pontos...

Esclarecimento a José Bragança de Miranda - post Blogando, de 2003.09.14, no reflexos de azul electrico:

1) Não escrevi que "é preciso" responder por elas. E isso faz toda a diferença, ou seja, não "prescrevi" nada, apenas constatei a realidade para que apontava a citada expressão de José Bragança de Miranda. E essa realidade é a de que se há aqui (na blogosfera) algo de comum a todos nós é o de estarmos autorizados a fazer considerações no nosso blogue. Foi apenas isso que me pareceu e continua a parecer-me lógico (e pelo que já pude ver, terá parecido igualmente lógico a, pelo menos, mais dois blogues).

2) À luz de um mínimo princípio de caridade interpretativa, julgaria não ter sequer aparentando que estava a «responder» à afirmação de JBM. Na verdade, o que se passou foi que achei a frase muito feliz e bem ilustrativa do que pretendia realçar no meu post. E por isso a citei. Nada mais que isso.

3) Não há pois alguma divergência. Nem mesmo quanto ao que "é primeiro ou o que vem depois". A prova (uma das provas) de que para haver diálogo autêntico é necessário já desfrutar da liberdade está no facto da retórica, como se sabe, ter nascido em berço democrático e ainda hoje só nesse contexto político encontrar o seu espaço de afirmação. Logo, se José Bragança de Miranda, que muito admiro, me quiser honrar com o esclarecimento de alguma diferença, teríamos de nos cingir à sua afirmação de que "Nenhum destas consequências está no início e, menos ainda, a retórica ou a persuasão". Sendo certo que toda a minha dúvida recai, unicamente, sobre estas duas palavras: "menos ainda"?

14 setembro 2003

Um problema de comunicação: como dar a notí­cia?

Hoje, no consultório sentimental da revista "XIS":

"Apaixonei-me por um homem vinte anos mais jovem e decidi sair de casa para viver com ele. Não sei como dar a notícia ao meu marido sem o ferir, e como temos uma filha pequena acho importante preservar a nossa relação. O que me aconselha?" VS.

A "Consultora":

"Aconselho-a a ser feliz e a não esquecer que a felicidade de todos depende em grande parte da capacidade para fazer a escolha certa no momento certo (...)"

Agora digam lá se a resposta não esteve à altura da pergunta? Então o "aconselho-a a ser feliz" é um mimo. Resulta muito bem. Qualquer coisa como o equivalente a "tem problemas? esqueça-os!". E é este o "XIS" da questão.

(Se pensam que a "consultora" é alguma astróloga, enganam-se. É mesmo uma psicóloga clínica)

A dita eloquência (29)

"Uma polémica não é um duelo, ou sequer uma competição. Cada qual diz ao que vem, cada qual concorda ou discorda, cada qual nem por isso. E siga a dança. Com a certeza de que, sempre que nos apetecer, podemos ignorar olimpicamente."

jmf, hoje, no seu post "Reflexão (outra...) metabloguística" - Terras do Nunca

Inquietações jornalísticas

"não há notícias sem fontes. Mas há jornalistas que, ao invés de irem atrás das notícias, deixam que sejam as notícias a «irem» atrás de si. Essa evolução do jornalismo que hoje se pratica é motivo de fundadas inquietações" - quem o diz é Estrela Serrano, provedora do Diário de Notícias.

O que está aqui em jogo, percebe-se bem, é a credibilidade do próprio jornalismo. Porque, do ponto de vista do leitor, não há muita diferença entre "o uso sistemático de fontes não identificadas" por parte de alguns jornais (denunciado por Estrela Serrano) e o tão criticado anonimato do blogue "Muito Mentiroso". Ou há? Será que os "nossos" blogues mais "jornalistícos" podem fazer luz sobre o assunto?


Nota: foi o Jornalismo e Comunicação que me chamou a atenção para o texto de Estrela Serrano.

Excertos de um livro não anunciado (72)

(...) Aquilo que os últimos tratados de retórica nos oferecem é, na feliz expressão de G. Genette, uma 'retórica restrita', restringida em primeiro lugar à teoria da elocução, depois à teoria dos tropos (....) Uma das causas da morte da retórica reside aí: ao reduzir-se, assim, (...) a retórica tornou-se uma disciplina errática e fútil. A retórica morreu quando o gosto de classificar as figuras suplantou inteiramente o sentido filosófico que animava o vasto império retórico, mantinha unidas as suas partes e ligava o todo ao organon e à filosofia primeira" * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 18

13 setembro 2003

Considerações autorizadas

José Bragança de Miranda afirma, hoje, no seu imperdível reflexos de azul electrico: "no meu blog sou autorizado a fazer considerações". Gostei de ler. Aliás, se há aqui alguma coisa de inequivocamente comum a mestres e a discípulos é essa, a de todos estarmos autorizados a fazer considerações no nosso blogue. E, logicamente, de responder por elas. Ponha-se, por isso, em causa o que é afirmado, mas nunca o direito de o afirmar. Nem directa, nem indirectamente.

Excertos de um livro não anunciado (71)

(...) Paul Ricoeur, na sua obra sobre a metáfora, veio clarificar ainda mais esta restrição de que já nos fala Genette, ao lembrar que "a retórica de Aristóteles cobre três campos: uma teoria da argumentação que constitui o seu eixo principal e que fornece ao mesmo tempo o nó da sua articulação com a lógica demonstrativa e com a filosofia (esta teoria da argumentação cobre, por si só, dois terços do tratado), uma teoria da elocução e uma teoria da composição do discurso. (...)

12 setembro 2003

A dita eloquência (28)

"Não pronuncio apenas as palavras, intenciono também qualquer coisa com elas"

Ludwig Wittgenstein


Wittgenstein, L., (1995), Tratado Lógico Filosófico – Investigações Filosóficas (2ª. ed.), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 436

Excertos de um livro não anunciado (70)

(...) Hoje, intitulamos retórica geral o que de facto é um tratado das figuras. E se temos tanto para generalizar, é evidentemente por termos restringido demasiado: de Corax aos nossos dias, a história da retórica é a de uma restrição generalizada . * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 17

11 setembro 2003

A dita eloquência (27)

“é quando menos acreditamos na sabedoria que mais dela precisamos”

Hans Jonas


Jonas, H.,(1994), ÉTICA, MEDICINA E TÉCNICA, LIsboa: Vega, p. 56

Excertos de um livro não anunciado (69)

(...) A Retórica de Aristóteles não se pretendia “geral” (e ainda menos “generalizada”): ela era-o, e de tal modo o era na amplitude da sua intenção, que uma teoria das figuras ainda aí não merecia qualquer menção particular; algumas páginas apenas sobre a comparação e a metáfora, num livro (em três) consagrado ao estilo e à composição, território exíguo, cantão afastado, perdido na imensidão de um Império. (...)

10 setembro 2003

Desfeito o enigma do orgasmo vertical

Com a argúcia e a subtileza de quem sabe do que fala mas não prescinde de ser ele próprio a escolher o modo e o momento mais oportuno para o fazer, Prado Coelho deixou cair hoje a "chave" do enigma que tanto nos tem atormentado: "o que é um orgasmo vertical?" Está aqui. A certa altura da sua crónica de hoje, no Público, diz-nos: "Neste universo de factos verticais (isto é, sem um antes e um depois)"... e não precisa de bater mais no ceguinho.

Se há um universo de factos verticais e estes são verticais porque não têm "um antes e um depois", então é porque o orgasmo vertical, é, de facto, um orgasmo sem "um antes e um depois".

"Branco é galinha o põe".

Não há perguntas grátis

Lembram-se: Prado Coelho recusou, há dias, explicar a João Bénard da Costa o que entende por orgasmo vertical. Em vez disso, remeteu-o para uma ainda mais obscura "geometria libidinal". Quem leu, terá ficado perplexo. Talvez mesmo decepcionado. Na rápida volta que dei pela blogosfera percebi, entretanto, que o elogioso apoio foi, invariavelmente, para a "vítima" (J. Bénard da Costa). Para Prado Coelho sobraram os reparos, direi mesmo, uma censura "sem dó nem piedade". Mas não tanto por nada ou quase nada ter esclarecido o seu interlocutor, e sim, por ter usado aquilo a que poderíamos chamar de "agressividade discursiva" para responder, afinal, a um homem bom.

Não, não vou cometer para com João Bénard da Costa a injustiça de considerar que se limitou a fazer uma inocente pergunta. Pelo contrário, o contexto em que ela tem lugar, "fala por si": quis-se meter com Prado Coelho, foi o que foi. E não precisamos de pedir ajuda à pragmática da linguagem para saber que toda a pergunta tem sempre um certo "quantum" de afirmação, susceptível de perturbar a sua recepção. Por exemplo, não é aconselhável perguntar a alguém: "Você rouba?". Porque ao responder, o visado confirma, automaticamente, que não é inteiramente claro ou certo que ele não roube. As perguntas, portanto, também ofendem, ridicularizam, depreciam.

Foi a pergunta de João Bénard da Costa depreciativa para Prado Coelho? Não sabemos (cá estou eu a dizer mais do que escrevo, pois ao nao sabermos se foi depreciativa estamos a admitir que o possa ter sido). Pessoalmente, tendo até a pensar que foi tão só uma mera brincadeira ou um "meter de conversa". Mas o que é aqui relevante é a "abertura semântica" da dita pergunta, o leque de interpetações a que se sujeita e a pluralidade de sentidos que se oferecem à escolha do respectivo interlocutor. E como é óbvio, João Bénard da Costa, sabia (e sabe) muito bem disso. Nestas condições, Prado Coelho tem, pois, o direito de responder com base na pior das interpretações ainda possíveis. E, em minha opinião, foi o que fez. Creio mesmo que o facto de João Bénard da Costa ter saído da controvérsia como saiu, sorrateiramente, em pé de página e num tom não mais do que lamurioso, veio apenas mostrar como, no tocante à estratégia da argumentação, Bénard da Costa sabe muito bem que Prado Coelho sabe o que ele sabe.

Nada de mais, portanto. O que se passa é que Prado Coelho disse onde Bénard da Costa silenciou. Para além disso, talvez tenha incorrido num certo "excesso de defesa", pois a sua resposta parece desproporcionada face à natureza da respectiva pergunta. Mas também não custa admitir que a pergunta era tão simples e tão curta que qualquer resposta teria sempre de resultar desproporcionada. Enfim, tudo está bem quando acaba bem.

Excertos de um livro não anunciado (68)

(...) sob a capa denegativa, ou compensatória, duma generalização pseudo-einsteniana, eis traçado nas suas principais etapas o percurso (aproximativamente) histórico de uma disciplina que, no decurso dos séculos, não deixou de ver encolher, como pele de chagrém, o campo da sua competência, ou pelo menos da sua acção. (...)

09 setembro 2003

"sabe bem como o caraças"

O autor deste "Beija a mão" dá a entender que "sabe bem como o caraças" ser lembrado ou referido por blogues que estão entre os melhores. E tem razão. Também me "soube bem como o caraças" ver o "Retórica e Persuasão" figurar "Em Revista" no excelente a formiga de langton:

"Depois, a consubstanciar a tese que por aqui tenho mantido de uma blogo-fractal-PT demasiado partidarizada, vejam só os problemas que os rótulos dão."

Como no ditado: "diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és".

Excertos de um livro não anunciado (67)

(...) Genette, no mesmo artigo, vai mais longe ainda, quando identifica a história da retórica com a restrição do seu próprio âmbito:

O ano de 1969-70 viu aparecer quase simultaneamente três textos de amplitude desigual, mas cujos títulos convergem de maneira bem sintomática: trata-se da Rhétorique générale do grupo de Liège, cujo título inicial era Rhétorique généralisée; do artigo de Michel Deguy “Pour une théorie de la figure généralisée”; e do de Jacques Sojcher, “La métaphore généralisée”: retórica-figura-metáfora (...)

08 setembro 2003

A política dos elogios "coloridos"

Este homem anda com azar nos elogios que faz. Há tempos, gabou a TSF e viu o Carlos Vaz Marques do Outro, Eu "cair-lhe em cima". Agora quis dizer bem do Alexandre Franco de Sá, do Caminho Errantes, mas o visado, embora agradecendo a simpática referência, "repreende-o" por lhe ter colado um falso rótulo. Nos dois casos, o mesmo rastilho: a cor política das pessoas ou instituições elogiadas. Como não há duas sem três, se fosse eu não Mexia mais nisso...

Persuasão sem garantia

Interpela-me a Charlotte:

"E a segunda pergunta? A das garantias (muito gosto eu desta palavra). Passamos to the next level ou fazemos um intervalucho para comer um gelado?"

Sendo que a segunda pergunta era:

"Se seguirmos todos os passos na escrita, por exemplo, de um encómio, podemos ter uma garantia de que os nossos leitores serão convencidos?"


Cara Charlotte,

Honram-me as suas perguntas. É, porém, honra demais para saber de menos. Logo, imerecida. Se para alguma ilusão (ia a escrever ambiguidade...) involuntariamente concorro, neste domínio, ela inscreve-se, por certo, ao nível do próprio dizer pois, como diz Michel Meyer, “censurar o discurso por ser manipulador reduz-se na realidade a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da discursividade apresentar-se desde logo como um responder, como resposta, tal como está nas mãos dos homens decidir encarar ou não esse facto, aceitá-lo ou não" *. É natural, portanto, que, no ímpeto de lhe (cor)responder acabe por dar mais visibilidade a umas poucas certezas do que às minhas inúmeras dúvidas.

Mas não há tempo a perder: nem para um "intervalucho", nem para "comer um gelado". Vamos ao que interessa. Do ponto de vista retórico, não há nunca "uma garantia de que os nossos leitores serão convencidos". E isto por três grandes razões:

Primeira,
porque o escritor ou o orador, têm não só que saber muito bem do que escrevem ou falam, mas também conhecer o melhor possível a pessoa ou o público a quem se dirigem.

Segunda,
porque a tarefa de persuadir e/ou convencer não pode dissociar-se da maior ou menor habilidade para antever a reacção do outro (presente ou ausente), nem da perspicácia com que se avalia o efeito produzido.

Terceira,
porque persuade ou convence, quem argumenta. E o processo argumentativo, como lembra Rui Grácio, "é sempre realizado no concreto, nesta ou naquela situação, perante este ou aquele auditório, sendo impossível, a priori, definir as estratégias que vão ser efectivamente eficazes, ou saber antecipadamente que argumentos usar, como utilizá-los, como dispô-los, qual o momento certo para o fazer e que resultados se irão obter. A argumentação remete para o contexto e só este pode fornecer, caso a caso, as pistas que guiarão no desenrolar do processo argumentativo” **.

Ou seja: nenhuma estratégia de persuasão pode escapar a uma certa margem de imprevisibilidade e de risco. Aliás, se houvesse uma garantia de sucesso ou um método discursivo infalível para convencer alguém onde ficaria o respeito pelo outro? Já se pensou no campo que assim se abriria à tão propalada manipulação pela palavra?


A terminar, deixarei apenas dois pontos para reflexão:

1) A retórica é, muitas vezes, injustamente confundida com o "paleio do vendedor" ou com a conversa da "banha-da-cobra". Mas o que se passa é que quem é capaz de enganar pela palavra é porque já seria capaz de enganar antes, por qualquer outro meio. Logo, sempre enganaria: com ou sem retórica. A retórica (e o discurso em geral) é como um objecto cortante. A faca de cozinha, por exemplo: bem usada é de enorme utilidade, mas mal usada pode ferir, tornar-se perigosa.

2) A retórica só é eticamente defensável quando obedeça ao primado da simetria entre as partes. Retóricos deverão ser por isso todos os interlocutores e não apenas o orador oficial, por exemplo. A retórica não é o domínio das técnicas de convencer, por um lado, e a ignorância total sobre as mesmas ou a mais completa passividade, pelo outro. Nenhuma palestra ou debate se qualifica perante um auditório impreparado. Nenhum livro se cumpre sem um leitor culturalmente exigente. Como salienta Perelman, o que certifica a qualidade de um acto retórico é a qualidade do respectivo auditório (e não a do orador).

E agora sim, vou fazer o "intervalucho"... e "comer o gelado".


* Meyer, M., (1994), As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, p. 70
**Grácio, R., (1998), Consequências da retórica, Coimbra: Pé de Página Editores, p. 78

Excertos de um livro não anunciado (66)

(...) A época clássica, particularmente em França, e mais particularmente ainda no século XVIII, herda esta situação, acentuando-a ao privilegiar incessantemente nos seus exemplos o corpus literário (e especialmente poético) relativamente à oratória: Homero e Virgílio (e em breve Racine) suplantam Demóstenes e Cícero; a retórica tende a tornar-se, no essencial, um estudo da lexis poética *.

* Cit. in Perelman, C.,(1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 17

A dita eloquência (26)

"Quando se pronuncia a palavra sexo tudo é melhor que explicar-se bem"

Agustina Bessa Luí­s em "Joia de Famí­lia"


cit. in Expresso de 6 de Setembro de 2003

07 setembro 2003

Diálogo premiado

Pela segunda semana consecutiva, o "Retórica e Persuasão" foi hoje premiado no MATA-MOUROS, desta vez partilhando a distinção de "Melhor Diálogo" com o Bomba Inteligente. Sobre a iniciativa do MATA-MOUROS falarei noutra altura. Mas o que não pode ficar para amanhã é o registo de lucidez, de tolerância e de simpatia que a minha interlocutora confere às suas intervenções. Obrigado, Charlotte.

Um Deus dividido

Também na "Actual", do Expresso desta semana, Pedro D'Anunciação compara a invocação do Divino na guerra colonial em Angola com a do conflito entre radicais islámicos e ortodoxos judeus. No caso de Angola, por exemplo, terá sido a Bíblia, antes espalhada pelos missionários portugueses, que inspirou os correligionários de Holden Roberto nos massacres de 1961. Porque foi pela sua leitura que descobriram que, segundo os valores defendidos pelos próprios brancos, os negros não lhes eram inferiores. Detenho-me especialmente nesta parte final da crónica:

"E lá andavam os dois lados, pedindo ao mesmo Deus apoios opostos: uns queriam manter aquele sistema esclavagista, condenado pelos Evangelhos, mas para o qual acreditavamm assegurar a benção divina; outros queriam combatê-lo através de uma violência cruel e cega, condenada pelos mesmos Evangelhos, mas para a qual imaginavam os favores do Altíssimo. O que poderia fazer um Deus assim tão contraditoriamente disputado? E o que poderá fazer hoje, entre as preces de Bush, as dos radicais islâmicos e as dos judeus ortodoxos?"

Estranho mundo este onde a racionalidade parece invadir mais as ideias do que os próprios actos. É o mistério de Fé. Amor, precisa-se...

É vero, Verí­ssimo?

Para Luís Fernando Veríssimo "a coisa está preta". Ou melhor: ficará assim lá para 2287, quando Marte se voltar a aproximar da Terra. E não tendo a certeza de ainda cá estar por essa altura, põe-se a imaginar, com a graça do costume, sobre que tipo de gente estará:

"daqui a 284 anos nasceremos, por exemplo, com celulares colados no ouvido? Uma modificação fascinante é possível. Os primeiros homens tinham a pele negra para protegê-los do Sol. Só depois da diáspora africana e da ocupação do Hemisfério Norte é que a nossa pele começou a clarear. Com o aquecimento progressivo da Terra, não é de mais especular que em 2287 seremos todos, de novo, negros. Até os noruegueses."

Crónica "Nossa missão", DO LADO DE LÁ, Actual, Expresso de 6 de Setembro de 2003

Excertos de um livro não anunciado (65)

(...) o equilíbrio entre as “partes” (inventio, dispositio, elocutio), em segundo lugar, porque a retórica do trivium, esmagada entre gramática e dialéctica, rapidamente se vê confinada ao estudo da elocutio, dos ornamentos do discurso, colores rhetorici. (...)

06 setembro 2003

"Que o homem não separe o que Deus uniu"

Hoje fui a mais um casamento. Fiquei todo o dia fora. À noite, o cansado regresso a casa. Nada pude escrever, mas tudo pude pensar. E uma vez mais me detive na força persuasiva desta sacramental frase: "que o homem não separe o que Deus uniu". Às tantas dei comigo a murmurar: "será que os efeitos persuasivos são de curta-duração"?

Excertos de um livro não anunciado (64)

(...) em primeiro lugar, porque a morte das instituições republicanas, na qual já Tácito via uma das causas do declínio da eloquência, conduz ao desaparecimento do género deliberativo, e também, ao que parece, do epidítico, ligado às grandes circunstâncias da vida cívica: Martianus Capella, depois Isidoro de Sevilha, tomaram nota destas defecções, rhetorica est bene dicendi scientia in civilibus quaestionibus; (...)

05 setembro 2003

Uma boa surpresa

É quase indefinível
este prazer de encontrar
coisas novas que nos tocam,
descobrir gente, almas, pessoas raras,
ver nobreza e carácter num pedaço de texto.

Mas quem diria que neste momento estou a pensar num post sobre futebol?
Está magnífico. O maradona é o seu autor e tem um título muito, muito sugestivo:

“Se não fosse do Sporting, mudava de clube!”

Quer ler já? Vá por aqui. Até o dragão vai gostar...

O discurso das ambiguidades

Saúdo a entrada do Extravaganza no debate sobre as ambiguidades discursivas, bem como o grau de exigência teórica que soube conferir à sua intervenção. O facto de não concordar com a maior parte do que o HMBF defende neste seu post, é um mero pormenor. As nossas opiniões valem o que valem e, por vezes, têm muito menos importância do que aquela que lhes atribuímos. É por isso que todo o debate é bem-vindo. Seguirei o estilo assertivo que o HMBF escolheu, embora, no meu caso, mas segundo penso, também no dele, isso não signifique o menor desprezo pela prudencial interrogatividade que se há-de reconhecer a toda a argumentação. Vamos lá.


* Quanto à questão central, o HMBF desenvolve o seu raciocínio por etapas:

Primeiro, afirma que a ambiguidade é um erro: a questão é mais do foro da comunicação, a saber se um enunciado que se presta a várias interpretações é ou não um erro. Julgamos que sim, pelos simples facto de que prestando-se a diversas interpretações não cumpre o seu papel: fazer chegar uma mensagem. Faz chegar apenas aquilo a que eu chamaria uma pseudo-mensagem ou insinuação.

Depois, já admite que não o seja: A não ser que a motivação inicial do emissor seja essa, a de deixar a mensagem em aberto, possibilitando, dessa forma, múltiplas interpretações. Tal como acontece no discurso metafórico.

De passagem, recorre a Paul Foulquié para justificar a própria contradição: Porém, como afirma Paul Foulquié, não devemos julgar-nos em erro sempre que se é levado a formular proposições contraditórias.

Finalmente volta atrás para declarar que a ambiguidade, exceptuando motivações estéticas, é SEMPRE um erro: É certo que R&P veio a aceitar que a ambiguidade é um erro em certas situações. Vamos mais longe: exceptuando motivações estéticas, a ambiguidade é sempre um erro.

***

Meu caro HMBF, invejo-lhe essa sua certeza!

(Estou a usar a ironia. Do meu ponto de vista não precisaria de o mencionar. Mas como o HMBF considera que a ambiguidade é sempre um erro, para o caso de não ter percebido, saiba que acabei de ironizar...).

Quanto à ambiguidade propriamente dita, é a altura de chamar a atenção para um ponto fundamental: não a defendo, justifico-a. Achei que tinha sido suficientemente claro: não concebo a ambiguidade como um ideal ou uma regra geral da comunicação, mas sim como um recurso técnico que, em certos casos, não só é perfeitamente tolerável, como se mostra o mais adequado.

E o que se diz da ironia serve para outros usos figurados, para as máximas ou provérbios, por exemplo. Há situações discursivas em que, mesmo do ponto de vista compreensivo, não há melhor opção do que recorrer a uma frase tão ambígua como esta: para bom entendedor meia palavra basta. Ora, do ponto de vista estritamente lógico (para onde me pareceu que o HMBF quis deslocar a questão), dizer só meia palavra raramente seria suficente, mesmo para o melhor dos entendedores.

Logo, é igualmente certo que com tal frase não se pretende dizer o que literalmente se diz. O que se pretende dizer então? Depende do contexto concreto em que for proferida, contexto esse que, na linha de Herman Parret (1), abrange, ao menos, as seguintes dimensões: co-textual, existencial, situacional, accional ou psicológico. Em qualquer dos casos com essa máxima pode-se querer significar diferentes coisas. E nisso consiste a sua manifesta ambiguidade.

Como alguém muito acertadamente me referiu esta semana, em correio privado, a ambiguidade está lá dentro da linguagem. Faz parte desta. Sem ambiguidade não haveria linguagem natural. Há palavras que significam várias coisas. Há coisas que são designadas pela mesma palavra. Que só uma linguagem artificial elimina a ambiguidade, é hoje mais do que adquirido. Já falei da aposta, do risco de má interpretação, no caso do recurso à ironia. Mas a verdade é que esse maior ou menor risco está sempre presente na própria linguagem (natural). Não se pode confundir a comunicação com informação. Comunicar pressupõe interacção e uma sucessão de escolhas entre vários enunciados possíveis. Comunicar não é uma pura transmissão de dados e/ou mensagens unívocas. Enfrentemos, pois, a realidade, sem horror ao fracasso. Porque como afirmam Sperber e Wilson “o facto de que a comunicação conheça fracassos é normal; aquilo que é misterioso, o que precisa ser explicado, não são os fracassos da comunicação, mas os seus sucessos” (2).


***

* Sobre alguns pontos mais laterais à controvérsia:


- Quando refere as possíveis consquências danosas da ironia de Churchill:

No caso de Shaw, perante a leitura do bilhete de Churchill, poder pensar que a saída de cena da sua peça teria ficado a dever-se a influências de Churchill, quem lhe garante que não era isso mesmo que Churchill queria que Shaw pensasse?

- Quando invoca a lógica:

Tem razão Robert Blanché quando afirma, na sua História da Lógica, que os homens violam constantemente as leis que regulam o curso dos raciocínios e, por isso, frequentemente caem no erro.

No plano em que vimos debatendo a ambiguidade discursiva pareceu-me despropositada esta invocação da lógica. Primeiro, porque, como sabe, nem a lógica nem a argumentação esgotam a pluridimensionalidade do dizer que vai muito para além do nível proposional. Segundo, porque nem a ambiguidade nem a verdade têm directamente algo a ver com as “leis que regulam o curso dos raciocínios”. Como sustenta Susan Haack, “a validade de um argumento depende da sua forma” (3). E isso, independentemente das premissas serem falsas ou verdadeiras, ambíguas ou não. O que é a lógica, afinal? Desidério Murcho, no seu recente livro “O lugar da lógica”, responde claramente: “a lógica é o estudo de alguns aspectos importantes da argumentação, que nos permite distinguir os argumentos válidos dos inválidos (...). A lógica estuda a validade e não a coerência da argumentação” (4). Deixemos portanto o que “diz” a lógica para quando realmente tivermos uma questão lógica pela frente. O que não é o caso. Mas já agora, defender que a ambiguidade é sempre um erro é o equivalente a dizer que o argumento da autoridade é sempre condenável. Uma falácia, portanto.


- Quando cita Witgenstein:

A questão essencial é colocada pelo segundo Wittgenstein nas Investigações Filosóficas: “Como é que encontro a palavra «correcta»?”

Se com esta citação pretendia sugerir que a cada palavra corresponde um significado unívoco, pena foi que não tivesse continuado até à página seguinte da mesma obra de Wittgenstein, onde, para acabar com toda a dúvida, poderia ler: “Mas agora podem discutir-se todas as conexões ramificadas que cada palavra traz consigo. Não termina acom aquele primeiro juízo, porque o que decide é o campo de uma palavra” (5). Isso mesmo: o que decide é o campo de uma palavra. E não ela mesma, a supostamente correcta. Sucede ainda, que ambiguidade de que vimos falando não se restringe à palavra.


- Quando afirma que a ironia sem ambiguidade é a marca mor da filosofia socrática:

Aqui vou opor apenas um dos muitos contra-exemplos possíveis. Repare nesta passagem muito breve do “Fedro”:

FEDRO:
-Que achas deste discurso, Sócrates? Não é ele belíssimo, tanto no conteúdo como na expressão?

SOCRATES:
Caro amigo, o discurso me pareceu excelente, e deixou-me entusiasmado.

(quando, como se sabe, Sócrates não gostou nada do discurso de Lísias, tendo mesmo achado este último repetitivo e pedante, como alías, logo a seguir confessa) (6)

Como é então possível defender que Sócrates não era ambíguo na sua ironia?


***

E, pela minha parte, sobre ambiguidades, é tudo. Saber quando se deve parar a argumentação sobre um dado tema é bem mais difícil do que começá-la. Mas, na dúvida, é bom ter uma regra auxiliar. A minha é a de que devemos parar quando percebemos que nos começamos a repetir. Parece inoponível.



(1) Cit. in Rodrigues, A. (1996), Dimensões Pragmáticas do Sentido, Lisboa: Edições Cosmos, 127
(2) Rodrigues, A. (1996), Dimensões Pragmáticas do Sentido, Lisboa: Edições Cosmos, 105
(3) Haack, S. (1998) Filosofia das lógicas, S. Paulo: Editora UNESP, p. 31
(4) Murcho, D., (2003) O Lugar da Lógina na Filosofia, Lisboa: Plátano Edições Técnicas, p. 12
(5) Wittgenstein, L., (1995), Tratado Lógico Filosófico – Investigações Filosóficas (2ª. ed.), Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, p. 587
(6) Platão, (2003), Fedro, São Paulo: Editora Martin Claret, p. 65

Excertos de um livro não anunciado (63)

(...) Aparentemente é desde o início da Idade Média que começa a desfazer-se o equilíbrio próprio da retórica antiga, que as obras de Aristóteles e, melhor ainda, de Quintiliano, testemunham: o equilíbrio entre os géneros (deliberativo, judiciário, epidíctico) (...) *

Cit. in Perelman, C.,(1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 17

04 setembro 2003

Os dois orgasmos

Eduardo Prado Coelho, hoje, no Público:

"a resposta que darei para já a João Bénard da Costa é simultaneamente simples e infinita: o orgasmo vertical é o que não é horizontal. E neste axioma da geometria libidinal cabe a história toda e o mundo todo"

Geometria libidinal? Orgasmo vertical? Orgasmo horizontal? Confirma-se: estou a precisar de voltar à escola...

Excertos de um livro não anunciado (62)

(...) Chaim Perelman interroga-se sobre as razões que terão levado a que "a retórica dita clássica, que se opõs à  retórica dita antiga, tenha sido reduzida a uma retórica das figuras, consagrando-se a classificação das diversas maneiras com que se podia ornamentar o estilo" *. E a principal explicação sobre o modo como terá ocorrido essa transformação, vai encontrá-la num artigo que Gérard Genette escreveu na revista Communications, denominado La rhétorique restreinte: (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 16

03 setembro 2003

A ironia das ambiguidades

Os pertinentes comentários que a Carla fez à minha apreciação sobre as ambiguidades discursivas encorajam-me a esclarecer hoje um pouco mais a minha opinião sobre o assunto. Para ser mais directo, passarei por cima de todos os pontos em que estou inteiramente de acordo e concentrar-me-ei apenas nas duas ideias que não posso deixar de refutar e que são, por um lado, a de que a ambiguidade é um erro porque é algo indeterminado e vago e por outro, a de que a ironia não é uma forma de ambiguidade:


* Sobre a ideia de que “a ambiguidade é um erro porque é algo indeterminado e vago”

Agora já não há alternativa: é preciso ver de que ambiguidades falamos. Podemos distinguir entre, pelo menos, quatro tipos de ambiguidades:

1) As que se inscrevem nas limitações da própria linguagem
2) As que são fruto de incompetência linguístico-argumentativa
3) As que servem para exprimir um sentido que não caberia na pura literalidade
4) As que são deliberadamente utilizadas para dificultar a compreensão

Na minha resposta à Carla considerei apenas os tipos de ambiguidades 1) e 3), ou seja, as que derivam da própria linguagem e as que se oferecem como recurso técnico para produzir um sentido que não seria revelável pela mera literalidade. Se não me referi às ambiguidades assinaladas em 2) e 4) foi tão somente porque não as considerei (nem considero) suficientemente problemáticas. E porquê? Porque é perfeitamente consensual que uma e outra são indesejáveis. No caso da última, aliás, é mesmo altamente condenável, por traduzir uma manifesta má fé comunicacional. Aqui, estaremos de acordo: a ambiguidade é um erro. Mas dizer que a “ambiguidade é um erro porque é algo indeterminado e vago” não será argumento. A ambiguidade é um erro em certas situações, claro. Mas não por ser “algo indeterminado e vago” pois essa é precisamente a sua própria razão de ser. E creio que já explicitei suficientemente as razões porque considero que a ambiguidade pode ser um erro em certos casos, mas não noutros.


* Sobre a ideia de que a ironia não é uma forma de ambiguidade


Voltemos ao exemplo dado:

O facto de tanto Shaw como Churchill partilharem um código que lhes permite "perceber perfeitamente o que querem dizer” não retira a ambiguidade aos respectivos enunciados. O que está aqui em causa é a ambiguidade da expressão literal e não a maior ou menor dificuldade da interpretação. É a ambiguidade da linguagem utilizada e não o grau de incerteza da sua descodificação. Porque posso ser totalmente compreendido mesmo se a minha mensagem era ambígua. Trata-se porém de uma probabilidade, de uma expectativa mais ou menos fundada e não de uma garantia. O ponto, portanto, será: há ou não há ambiguidade sempre que uma dada expressão linguística é portadora de duplo sentido? Ora é isso que a ironia “faz”: lançando a suspeita sobre o significado aparente, procede à negação ou desidentificação do que é literalmente afirmado. Mas é justamente por ser figurada e não literal que a ironia se constitui sempre como desvio, como aposta ou risco de má interpretação e ambiguidade. E é também nestes termos que se pode afirmar que Shaw e Churchill recorreram a uma linguagem ambígua. Porque o sentido final que ambos lhe terão atribuído não se encontra em nenhuma das frases que trocaram entre si. Para comunicarem com sucesso, precisaram por isso de atender mais às circunstâncias da enunciação (ao conhecimento mútuo, ao temperamento pessoal, ao tipo de relacionamento, à situação concreta, à oportunidade, etc.) do que aos próprios enunciados. Mas se alguma dúvida subsistisse quanto à ambiguidade retratada nesse exemplo, bastaria chamar a atenção para o facto de que a frase de Shaw "Um para V. Ex.ª e outro para um amigo... se tiver algum!" , embora não augure nada de muito lisongeiro para Churchill, não é, de maneira alguma, unívoca. Porque se o fosse, Churchill teria tido legitimidade para reagir, sem quaisquer rodeios, da presumível censura ou acusação (de não ter amigos). Mantendo-se essa ambiguidade, porém, a Churchill não restava outra hipótese que não fosse a de se defender, como fez, com uma outra ironia. E isso, porque, como se sabe, "amor" com "amor" se paga.

Excertos de um livro não anunciado (61)

(...) Durante a Idade Média, a retórica foi apenas utilizada como meio para o estudo de textos, menosprezando-se o seu uso prático. Nessa medida, foi aliás da maior importância na constituição do discurso literário durante o renascimento e o barroco, assim como influenciou os planos de estudos das humanidades e marcou particularmente a oratória sagrada. (...)

02 setembro 2003

100 ambiguidades

1- O MATA-MOUROS é um Blogue inteligente que muito aprecio.
2- A sua escolha dos melhores blogues parece-me despretensiosa, interessante e divertida.
3- Gostei de ver o "Retórica e Persuasão" nomeado melhor blogue da semana.
4- Confirmei o enorme prestí­gio e influência blogosférica do Bomba Inteligente.

***
(Meu caro CAA: também gostei do... "Agora, caro Retórica")

Excertos de um livro não anunciado (60)

(...) Como já ficou dito, a Retórica de Aristóteles terá constituído, em parte, a realização do programa platónico exposto em Fedro de uma verdadeira técnica retórica. Só que enquanto levava a cabo essa tarefa, Aristóteles foi-se afastando das posições moralistas de Platão, ao mesmo tempo que se aproximava cada vez mais da concepção técnica neutral dos oradores e Mestres da altura, sobretudo, de Isócrates. (...)

01 setembro 2003

Semana da Revelação

O MATA-MOUROS acaba de classificar o "Retórica e Persuasão" como blogue "Melhor Revelação" da semana. Não conheço nem o critério da classificação nem o fundamento da escolha. Mas, confio na competência e isenção do MATA-MOUROS. Só não lhe posso oferecer nenhum "blogue de ouro" porque não ganho o que deve ganhar este Homem a Dias...

A ambiguidade é um erro?

Respondendo à questão em título, que me foi amavelmente colocada por Carla do Bomba Inteligente:

***

Antes de mais, notemos como a pergunta já anuncia a resposta, na medida em que, ela mesma - a pergunta - mergulha numa certa ambiguidade. Ou seja: o que é a ambiguidade? o que é um erro? A pergunta não o diz. É, ela própria, ambígua. Ao nível compreensivo, oferece pouco. Mas exige ou permite muito. Precisamente porque se pretende curta e incisiva. Como convém ao diálogo, tal como já Sócrates defendia.

Claro que se poderia optar por fazer a mesma pergunta de forma mais pormenorizada inflacionando-a com longas definições e delimitações dos dois principais conceitos que a integram, para assim reduzir o mais possível a margem de incerteza interpretativa. Mas, como se sabe, não dispomos de memória e atenção ilimitadas e, por isso, ou o perguntador se apressa a concluir a pergunta ou corre o risco de já não ter ninguém a lê-lo.

O segredo (e a dificuldade) de quem pergunta, será, pois, o de saber encontrar, para cada situação, para cada tema, para cada leitor (alvo), a mais eficaz combinatória entre os princípios da compreensibilidade e da economia discursiva. Podemos pois tentar reduzir a ambiguidade quando queremos dizer apenas o que dizemos. Mas nunca, anulá-la. Deste ponto de vista, a ambiguidade não é um erro. É mesmo a principal "marca" da própria linguagem natural que, precisamente por não ser rigorosa e unívoca, se vê investida de uma riqueza e plasticidade comunicacional sem limites.

É que falamos até aqui apenas de uma ambiguidade involuntária. De uma ambiguidade que, digamos assim, fatalmente se interpõe sempre entre escritor e leitor na produção do sentido final de cada enunciado. Mas que dizer da ambiguidade voluntária? Será um erro recorrer expressamente à ambiguidade para comunicar uma ideia ou um estado de alma? É óbvio que não. Consideremos um caso de superior recurso à ambiguidade: a ironia.

Recordemos, por exemplo, a famosa "picardia" entre Bernard Shaw e Wiston Churchill, quando o primeiro, prestes a estrear uma das suas peças, envia dois bilhetes-convite a Churchill com a seguinte indicação: "Um para V. Ex.ª e outro para um amigo... se tiver algum!". Churchill, em resposta, manda dizer que não pode estar presente, mas pergunta se podia ter bilhetes para o dia seguinte, "no caso de haver segunda representação!".

Como se vê, não podiam ter sido mais ambíguos. E não obstante, foi graças a essa ambiguidade que cada um entendeu muito claramente o que o outro, de facto, lhe queria comunicar. Não se pode, por isso, ignorar a dimensão intersubjectiva da linguagem e a permanente articulação entre ethos, logos e pathos em que a mesma tem lugar. Porque este é o ponto em que a questão da ambiguidade enquanto erro se resolve ou, no mínimo, se esclarece. É que, como se sabe, a linguagem - a linguagem vulgar - não é nem universal nem essencializada, antes se determina por incontornáveis relações entre os sujeitos e as coisas, entre a vida e o mundo, entre a palavra e o seu contexto. Que o mesmo é dizer: toda a linguagem se elabora num registo de possibilidade e incerteza que só concreta e circunstancialmente se decide. O recurso à ironia, como também à metáfora e até ao silêncio ou não-dito, serão então apenas diferentes formas de recorrer à ambiguidade discursiva para fazer chegar ao leitor um pensar ou sentir, não aprisionáveis pela mera literalidade.

E eis como a ambiguidade surge, não como um erro, mas como um deliberado recurso técnico para transcender as naturais limitações da linguagem vulgar. É que, como diz Innerarity, "sem insinuações ou silêncios, seria muito difícil exprimir esse mundo de enredos em que vivemos e por cuja simplificação sempre pagamos um preço demasiado elevado"*

* Innerarity, D., (1996), "A FILOSOFIA COMO UMA DAS BELAS ARTES, Lisboa: Editorial Teorema, p. 75

Mais blogues para ler

Actualizei a relação dos blogues que leio mas já reparei que ainda faltam mais alguns. Em breve completarei a relação. Apesar de algumas desistências ou supensões não faltam blogues de muita qualidade e para todos os gostos. Estou convencido que a blogosfera ainda irá surpreender muito boa gente. Aguardemos.

Excertos de um livro não anunciado (59)

(...) A função principal do preâmbulo é a de expor qual é o fim a que se dirige o discurso, de modo a que o ouvinte possa seguir melhor o fio do mesmo. No epílogo, pelo contrário, refresca-se a memória do ouvinte sobre o que (supostamente) foi provado. E isto, não só porque "é natural que depois de se ter demonstrado que alguém é sincero e o seu contrário, um mentiroso, por meio deste recurso se elogie, se censure e finalize” *, mas também porque a recapitulação dos pontos essenciais em que se baseou a argumentação irá facilitar a formação de uma opinião final sobre o seu grau de acerto ou eficácia. (...)

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 314