31 dezembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (162)

(...) Neste sentido, é perfeitamente compreensível a advertência de Perelman: “Em vez de se crer na existência de um auditório universal, análogo ao do espírito divino que tem de dar o seu consentimento à ‘verdade’, poder-se-ia, com mais razão, caracterizar cada orador pela imagem que ele próprio forma do auditório universal que busca conquistar para as suas opiniões. O auditório universal é constituído por cada qual a partir do que sabe de seus semelhantes...” *. Mas daqui não decorre que seja convincente toda a argumentação que obedeça ao que cada uma das pessoas, num dado auditório, entenda como real, verdadeiro e objectivamente válido (de resto, tarefa impossível), e sim, a argumentação em que o orador crê que “todos os que compreenderem suas razões terão de aderir às suas conclusões” ** (...)

* 29 Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca , L., (1999), Tratado da Argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, p. 37
** Ibidem, p. 35

29 dezembro 2003

Espí­rito de carneiro

Passo a correr pela sala, olho a TV e só tenho tempo de ver um senhor muito "bem vestido" a afirmar com toda a convicção:

"Em 2004, os carneiros vão evoluir para uma espiritualidade..." *

Fiquei preso ao chão, murmurando de mim para mim: terei ouvido bem?
Entretanto, o senhor muito "bem vestido" que deve ter tido a telepática percepção da minha dúvida, repete:

"É verdade, os carneiros vão evoluir para uma espiritualidade..."

Confesso que fiquei a "matutar" como seria isso de ter espírito de carneiro. Mas pousando os olhos de novo no aparelho lá se foi o insólito que tanto me prendera: o senhor muito "bem vestido" era afinal um daqueles astrólogos que surgem hoje com grande destaque nos programas recreativos de todos os canais e encontrava-se apenas a anunciar as suas previsões para o ano de 2004, segundo os respectivos signos.

Não sei porquê mas ainda não foi desta que a astrologia me "convenceu". Aliás, no que toca a "evoluir para a espiritualidade" continuo a pensar que o "virgem" (que sou) tem muito mais hipóteses do que o "carneiro" (que não quero ser).


* Afirmação do astrólogo Miguel de Sousa, hoje, no programa "A Vida é Bela", da TVI.

Isto não é um elogio

É impressionante a "facilidade" e leveza com que escreve o Alberto Gonçalves, do Homem a Dias. Os seus posts de hoje - "Contra o umbiguismo marchar, marchar..." e "Modo de vida" são apenas duas entre tantas outras manifestações de inegável talento para manejar a ambiguidade e o bom humor, que o mesmo é dizer, para nos fazer pensar sem deixarmos de sorrir. Merece mesmo um elogio. Mas, se não se importa... fica para a próxima.

Coimbra é uma lição?

Como ex-estudante de Coimbra, não posso deixar de subscrever inteiramente o que diz FNV em "O TEMPO SOBRE AS COISAS" no Mar Salgado. Permito-me destacar:

"Tive saudades dos amigos, da minha casa, dos meus irmãos, mas não da Coimbra Universitária dos lentes pomposos, dos alunos de cabeça baixa e boné na mão, das faculdades quase sempre fechadas à noite, sem debates, sem conferências, sem vida."

Os cientistas e os outros - II

Sobre as tão badaladas críticas tecidas por A. Sokal e J. Bricmont (e no caso português também por António M. Batista), relativamente ao "uso e o abuso por pós-modernistas da linguagem científica - muitas vezes não integrada no contexto - e das modas científicas mais mediáticas", veja-se como Jorge Dias de Deus se afasta do chamado "regime da peixeirada":

"Não acho que as críticas feitas, na generalidade, sejam erradas - antes pelo contrário. No entanto, na sua negatividade, revelam uma superficialidade simplificadora. Isto é: dizer que o outro menino é mau, para convencer a mamã que eu sou bom, não é objectivo que possa satisfazer alguém. Pelo menos, para mim, está longe de ser convincente. E depois, sempre que se me depara a caça aos erros científicos, lembro-me logo dos esforçados funcionários camarários na caça aos cães vadios, para futuro abate, como se estes, ao contrário dos cães bem integrados, não tivessem direito à vida..."

in "Da Crí­tica da Ciência à Negação da Ciência", Lisboa: Gradiva, p. 56

Os cientistas e os outros - I

"[O discurso positivo, optimista, sobre a da ciência] é possí­vel e é desejável, desde que seja mesmo positivo, quer dizer, não defensivo em relação ao mundo exterior e não agressivo relativamente a outros saberes, e desde que seja mesmo optimista, cheio de sensatez e de alguma humildade"

Jorge Dias de Deus

(Fí­sico teórico e professor de Física no Instituto Superior Técnico)

in "Da Crí­tica da Ciência à  Negação da Ciência", Lisboa: Gradiva, p. 71

Excertos de um livro não anunciado (161)

(...) Além disso, o auditório do exemplo que acabamos de referir insere-se na própria realidade, enquanto que o auditório universal de Perelman pura e simplesmente não existe, não se oferece a qualquer observação física, é uma pura construção ideal do orador. Nâo é pois nem uma universalidade concreta e delimitável, nem tão pouco uma universalidade teórico-abstracta autónoma e invariável que pudesse servir de garantia ou padrão qualificativo da argumentação convincente (...)

25 dezembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (160)

(...) Já deixamos antever que para Perelman a questão do convencimento é indissociável da natureza do auditório. Ora este pode ser representado como “o conjunto daqueles que o orador quer influenciar pela sua argumentação” *, o que é algo mais do que circunscrevê-lo ao número de pessoas física e directamente presentes ao orador. O deputado que discursa na Assembleia da República, será aqui um bom exemplo. Embora se dirija formalmente ao Presidente da Mesa, ele fala, não só para os restantes deputados que integram o Parlamento como também, frequentemente, para o conjunto de cidadãos que o irão ouvir, em suas casas, na reportagem do telejornal. Pode mesmo falar para todos os portugueses se a causa que defende a todos respeita e até para os europeus ou, ainda, no limite, para todo o mundo, no caso do respectivo interesse nacional de alguma forma ser dimensionável ao nível da globalização. Teremos aqui o primeiro afloramento do que seja um auditório universal, no sentido que Perelman lhe atribui? Obviamente que não, pois a sua noção de auditório universal não se funda numa qualificação numérica ou espacial, em função da quantidade e localização dos destinatários de uma dada argumentação. (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 33

24 dezembro 2003

É hoje

É hoje que aqui deixo os meus votos de boas festas: Feliz Natal.

Gosto de desejar boas festas "em cima" da data. Não sei bem porque nunca me dá para o fazer com muita antecedência. Mas sem querer desculpar-me, tenho uma hipótese ou, quem sabe, uma esperança: a de que ao fazê-lo só mesmo na véspera de Natal, os meus votos possam comungar ainda mais do próprio espírito do evento. Enfim. Cada tolo, sua mania. Mas fica a intencão.

Paz, Saúde e Amor para cada um de vós.

23 dezembro 2003

O juiz e a Bí­blia

Acabo de olhar para um breve spot da SIC onde se vê Mário Soares a afirmar com a maior convicção:

"Não se pode acreditar num juiz como na Bíblia"

Terá razão? Não se sabe. Só se sabe que não parece acreditar lá muito na Bíblia...

21 dezembro 2003

Comentando o comentador

Vi as duas últimas intervenções de Pacheco Pereira no telejornal da SIC (ou melhor, nas suas imediações). Gostei, francamente. E hoje reparei num pormenor que diz tudo sobre a sua já completa "aclimatação" a este novo estilo de comentário. Refiro-me ao facto de ter iniciado logo com o registo certo, quer na intensidade da voz, quer no "balanço" e na vivacidade das frases que ia proferindo (o que, ao contrário do que possa parecer, não é nada fácil). O "ar" descontraído próprio de quem está a dominar a situação, confere-lhe, por sua vez, toda aquela naturalidade que "reduz" a distância do espectador.

Outro aspecto muito positivo: a duração relativamente curta da "entrevista". Não cronometrei mas, em poucos minutos, Pacheco Pereira criticou o que tinha que criticar numa justiça em que, eventualmente, já poucos confiam, apontou as graves (e caricatas) falhas de segurança na pré-anunciada ida do ministro ao Iraque e nas entrevistas dos nossos militares que desatam a tornar público (incluindo ao inimigo) o que fazem e por onde andam (!) e denunciou, igualmente, um certo "jornalismo de recados" que se apoiará em fontes anónimas, mesmo no noticiário político.

Teve ainda tempo para salientar a importância de que se reveste a sonda espacial actualmente a caminho de Marte, no âmbito de um desejado alargamento de fronteiras no espaço interplanetário. Pelo meio, lá foi contornando algumas interrupções da jornalista que me pareceram, aliás, pouco oportunas já que, quando o entrevistado prima por observações incisivas, como tem sido o caso, não parece indicado correr o risco de lhe cortar o raciocínio.

É, sem dúvida, mais um sucesso made in JPP.

Quem Aviz(a) amigo é

Diz Francisco Viegas a propósito de um anunciado silêncio no seu blogue:

"São ondas, coisas que vão e vêm, que se soltam às temporadas. Todos somos um pouco errantes, um pouco."


Também penso que seja isso. Lá ou ali, aqui e acolá.

Todos somos um pouco errantes, um pouco...

Todos somos um pouco errantes...

Todos somos um pouco...

Todos somos um...

Todos somos...

Todos...

...

Excertos de um livro não anunciado (159)

(...) Notemos aqui, antes de mais, que as expressões pretende valer e deveria valer são certamente suficientes para afirmar uma intenção de se chegar à persuasão ou à convicção mas nunca para definirem o que seja uma ou outra. Logo, são os meios de obter a adesão das mentes que ficam definidos e não a persuasão nem a convicção. Ou seja, é principalmente a atitude do orador e o seu modo de argumentar que estão em causa. Resta saber o que pode ser entendido por uma argumentação “que deveria obter a adesão de todo o ser racional”. É aqui que entra a controversa noção de auditório universal perelmaniano. (...)

19 dezembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (158)

(...) Reconheça-se, por isso, que, da concepção clássica de uma convicção fundada na verdade do seu objecto, já pouco resta neste modo perelmaniano de distinguir a persuasão do convencimento. A resposta de Perelman, mais do que solucionar, parece “matar” o problema. Da inicial pretensão à verdade, fica apenas uma intenção de verdade e um método para a retórica tendencialmente dela se aproximar, método esse que desde logo se vislumbra no modo como estabelece a diferença entre argumentação persuasiva e argumentação convincente quando se propõe “chamar persuasiva a uma argumentação que pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente àquela que deveria obter a adesão de todo o ser racional” * (...)

* Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca , L., (1999), Tratado da Argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, p. 31

18 dezembro 2003

Ele ao espelho

Para não confessar o que sente vai dizendo o que pensa. Anuncia-se humano, falí­vel e, no entanto, fala como quem nunca errou. Não queria estar no seu lugar. Mas será que não estou?

17 dezembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (157)

(...) O que, a nosso ver, se traduz numa diferente forma de perspectivar o convencimento fazendo-o convergir agora, do ponto de vista da argumentação, mais com a potência do que com o acto, mais com o que deve ser do que com o que é, mais com a intenção do orador do que com a adesão do auditório. A essa constatação nos reconduz a natural anterioridade de toda a intenção relativamente à apresentação e recepção efectivas de cada argumento. (...)

16 dezembro 2003

Factos ruidosos

Não se estranhe que nunca tenha escrito sobre a Casa Pia, nem sobre os Fogos, nem agora sobre Saddam, apesar de serem três assuntos com audiência blogosférica garantida. É que tenho uma boa desculpa: não me apeteceu nem me apetece. Como nunca me apetece levantar a voz sempre que há demasiado ruí­do...

15 dezembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (156)

(...) Surpreendentemente, porém, eis que Perelman submete essa mesma distinção a uma reciclagem conceptual e dela se serve não já para validar racionalmente os meios utilizados ou as faculdades às quais o orador se dirige, nem tão pouco para precisar o que se deve entender por persuasão e por convicção mas para estabelecer uma polémica diferenciação entre duas intencionalidades discursivas, que poderíamos prefigurar como intencionalidade técnica e intencionalidade filosófica, conforme se vise unicamente a adesão do auditório particular ou uma aprovação universal. (...)

13 dezembro 2003

O homem e a técnica

Acreditamos no homem. Mais nas suas capacidades do que nas suas acções, mais no seu saber do que na respectiva aplicação. Mas acreditamos. Acreditamos porque temos boas razões para acreditar, e também porque, no desafio da vida, não acreditar é o mesmo que entrar em campo já a perder. Que má opção seria a de trocar a crença pelo nada que a descrença nos dá. Hans Jonas e a sua frase lapidar: “É quando menos acreditamos na sabedoria que mais dela precisamos”

Mas perante a actual escalada da técnica, seria impensável perder todo o medo ao novo e ao desconhecido. A extensão dos poderes que o homem detém já sobre a natureza, obriga, como nunca, ao seu uso ponderado, prudente. E a verdade é que entre a credulidade absoluta e a antecipação da desgraça, haverá sempre lugar para uma crença vigiada pelo medo. Não aquele medo que paraliza, mas o que previne contra a insensatez e desenfreado aventureirismo. Numa palavra, que serve de caução a um futuro de esperança.

Excertos de um livro não anunciado (155)

(...) Estará mesmo contra-indicada pois “os critérios pelos quais se julga poder separar convicção e persuasão são sempre fundamentados numa decisão que pretende isolar de um conjunto – conjunto de procedimentos, conjunto de faculdades – certos elementos considerados racionais” * (...)


* Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca , L., (1999), Tratado da argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, p. 30

10 dezembro 2003

Destaque (3)

Para a clareza do Terras do Nunca:

"O problema é que, muitas vezes, se as medidas fossem bem explicadas o povo ainda ficava mais zangado com o governo."

Isso não se fazia ao Sócrates

No Público de hoje, o Dig.º Bastonário da Ordem dos Advogados resolveu apelidar Sócrates de "grande sofista".

Por momentos julguei até que não estivesse a referir-se ao Sócrates grego...

Regularidade irregular

"Ter um blogue com actividade regular não significa, necessariamente, escrever todos os dias (...)" - diz sabiamente o Terras do Nunca. E mais adiante refere que o conceito de «vagabundagem» lhe parece o mais adequado "para definir isto em que andamos metidos". Bem, concordo inteiramente com a primeira afirmação. Mas, para ser franco, não aposto tanto no "vagabundagem". É que este remete para uma errância que, em princípio, parece colidir com as expectativas blogosféricas. Por exemplo: se alguém visita determinado blogue diariamente e a certa altura dá com a "ausência do seu proprietário" por certo que voltará no dia seguinte. Assim como voltará de novo, ainda que a situação se repita por alguns dias mais. Mas se a ausência de posts ultrapassar, por exemplo, duas semanas consecutivas (mera hipótese) é provável que tão cedo não lhe apeteça voltar a clicar em falso. O ideal talvez seja, portanto, manter uma certa regularidade... irregular. Será que isso existe?

Mas é claro que com criatividade e bom gosto tudo se pode arranjar. É uma questão de se deixar no blogue a foto de uma miúda "que valha a pena" a informar do respectivo tempo de ausência, como fez o Pedro Mexia. Não devia confessar isto mas acho que ultimamente tenho lá ido ainda mais vezes do que ia...

09 dezembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (154)

(...) Daí que a distinção entre persuasão e convencimento, quando centrada nos índices de confiabilidade e validação inerentes ao par racional/irracional, pareça nada poder vir a acrescentar à compreensão do acto retórico. (...)

08 dezembro 2003

Destaque (2)

Para o brilho analí­tico do "jornalí­stico" Guerra e Pas:

"Se lessem diariamente estes dois jornais [CM e o 24 Horas], escusavam de ver os noticiários das 20 horas das televisões. A dinâmica é esta: o editor do jornal televisivo vê a história de manhã num destes jornais, à hora do almoço o repórter já está em Sardinhais de Cima a filmar o nabo gigante e pelas 19h30 tem a coisa montada para entrar em alinhamento, talvez a seguir de uma casa podre, em que nunca é perguntado à desgraçada da inquilina quanto paga de renda, mas são sempre filmadas as rachas no tecto."


PS-Mais um subsí­dio para a controvérsia "factos versus opinião".

Excertos de um livro não anunciado (153)

(...) Acresce que “aquele que argumenta não se dirige ao que consideramos como faculdades, como a razão, as emoções, a vontade. O orador dirige-se ao homem todo...” * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 32

06 dezembro 2003

É de mim?

É de mim ou a intervenção blogosférica afrouxou?

Para os estudiosos do metabloguismo assinalo aqui, seis meses após a chegada, o meu primeiro momento de desmotivação.

Excertos de um livro não anunciado (152)

Acresce que “aquele que argumenta não se dirige ao que consideramos como faculdades, como a razão, as emoções, a vontade. O orador dirige-se ao homem todo...” *

* Perelman, C., O Império Retórico, Porto: Edições ASA, 1993, p. 32

04 dezembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (151)

(...) É o caso da educação, dos juízos de valor, das normas e de muitos outros domínios onde se julga impossível recorrer apenas aos meios de prova “puramente” racionais. Além disso, afigura-se igualmente muito problemática a possibilidade de determinar à partida quais os meios de prova convincentes e aqueles que o não são, segundo se dirijam ao entendimento ou à vontade, pois que, como se sabe, o homem não é constituído por faculdades completamente separadas. (...)

03 dezembro 2003

Coragem, esperança, medo

Lê-se no Abrupto:

"Nem esperança , nem medo"... "Sem medo"... "a verdadeira coragem está no "sem esperança", ser capaz de não ter esperança, de viver sem esperança, aí­ sim é difí­cil (...)"

Coragem, esperança, medo... três palavras (e outros tantos conceitos) que bem servem à  causa de uma nobre ideia: a de que não devemos traficar as convicções. O mesmo é dizer que, em matéria de conhecimento, nenhum desconforto psicológico ou espiritual poderá justificar um atentado à lucidez. Porque a mentira não é mais desculpável quando o mentiroso mente a si próprio. Outra coisa será a de admitir que o viver sem esperança é um acto corajoso. Tenho as minhas dúvidas. Por exemplo: aqueles para quem a verdade seja o principal valor-referência da sua vida, provavelmente precisariam de coragem para o contrário, isto é, para assumir uma esperança que não fosse racionalmente suportada. Por outro lado, é discutível que alguém viva completamente sem esperança. Em última análise, quem não a tenha, pode muito bem alimentar a ideia de vir a tê-la. Mas ainda que não redunde em verdadeiro acto de coragem, viver sem esperança é, seguramente, um viver mais exigente (ou mais penoso). Um caminho difícil, mas ainda não só possí­vel como o mais indicado, sempre que de examinada convicção resulte.

Excertos de um livro não anunciado (150)

(...) Mas se, como sugere Perelman, analisarmos a questão pela óptica dos diversos meios de obter a adesão das mentes, forçoso será constatar que esta última é normalmente conseguida “por uma diversidade de procedimentos de prova que não podem reduzir-se nem aos meios utilizados em lógica formal nem à simples sugestão” * (...)

* Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 63

02 dezembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (149)

(...) A persuasão seria pois a consequência natural de uma acção sobre a vontade (irracional) e o convencimento, o resultado ou efeito do acto de convencer (racional). (...)

01 dezembro 2003

Destaque (1)

Para o cientista Alexandre Quintanilha:


"Torna-se fundamental estudar os modelos mentais das pessoas. Se não os conhecermos, se não soubermos o que as pessoas fazem com a informação que têm, provavelmente não vamos longe"

***

"Primeiro temos o que conhecemos propriamente dito - aquilo que sabemos ou não sobre determinado fenómeno. Depois temos o facto social e que tem a ver com a maneira como as pessoas percepcionam o mundo - se o vêem como uma estrutura robusta ou frágil, simplificando, se somos pessimistas ou optimistas em relação às questões ambientais, à alimentação, ao desenvolvimento tecnológico, farmacêutico, etc. Depois temos ainda o factor psicológico que tem fundamentalmente a ver com a confiança. (...)

***

"As pessoas crêem naquilo que vem ao encontro das suas convicções"

***

"(...) a curiosidade é uma coisa natural, toda a gente (e todos os animais) a tem. Nesse sentido não se educa. Dá-se espaço para que se possa exprimir"

***

"A teoria dominante, que partiu de Malthus e das ciências sociais, tem sido a da sobrevivência do mais forte. Ou seja, andamos convencidos de que tudo se ganha pela competição, que quem vencer é o mais forte. Esqueceu-se que a evolução se faz pela competição, mas também, e muito, pela cooperação"



in Notícias Magazine - Jornal de Notícias de 2003.11.30.

Excertos de um livro não anunciado (148)

(...) Segundo Perelman, é justamente pela análise dos diversos tipos de auditório possíveis que poderemos tomar posição quanto à distinção clássica entre convencimento e persuasão, no âmbito da qual se concebem os meios de convencer como racionais, logo, dirigidos ao entendimento e os meios de persuasão como irracionais, actuando directamente sobre a vontade. (...)