31 agosto 2004

O importante é voltar

Cheguei. Missão falhada: ainda não foi desta que descobri a estranhíssima razão que pode levar alguém a não gostar de Paris. Tal como se pode ler actualmente em alguns painéis electrónicos das auto-estradas de Espanha, a próposito da prevenção rodoviária, "o importante é voltar". Voltar para casa, claro. Mas sempre que possível, voltar também a Paris.

22 agosto 2004

Teremos sempre Paris?

Mesmo em férias, levo para Paris uma secreta missão: descobrir o que terá levado Ana Sá Lopes a embirrar com a cidade-luz (que coisa mais estranha). Chegarão 8 dias? Logo se verá. Au revoir.

21 agosto 2004

Excertos de um livro não anunciado (199)

Uma terceira espécie de ligações argumentativas, são aquelas que, no dizer de Perelman, fundamentam a estrutura do real. Englobam a fundamentação através de um caso particular (exemplo, ilustração, modelo e anti-modelo) mas também o raciocínio por analogia, onde se situa a própria metáfora enquanto analogia condensada. O exemplo, que, como se sabe, permite a passagem do caso particular para uma generalização, mostra-se um recurso mais ambicioso do que a ilustração com a qual se espera, sobretudo, impressionar. Já com o modelo, o que se pretende é a pura imitação do caso particular. E na medida em que no argumento pelo modelo o que se pretende seja imitado já não é uma acção mas uma pessoa, é possível, segundo Perelman, descobrir-lhe uma grande afinidade com o argumento de autoridade, já que, num e noutro, o prestígio da pessoa que se pretende imitar surge como elemento persuasivo e caucionador da própria acção visada.

17 agosto 2004

Excertos de um livro não anunciado (198)

Não negligenciável dentro deste tipo de argumentos é ainda a distinção entre diferenças de natureza ou de ordem e as simples diferenças de grau. Põe-se aqui a questão de saber quando é que uma diferença quantitativa se torna uma diferença qualitativa. Perelman dá-nos um exemplo sugestivo: “quantos cabelos é preciso arrancar a um cabeludo para que ele se torne careca?” (*). A resposta a esta questão exige sempre uma tomada de posição que permita transformar uma inicial diferença de grau numa posterior diferença de natureza (a passagem de cabeludo a careca). Pode ser muito útil, por exemplo, quando se pretenda defender que dois fenómenos não são tão distintos como parece à primeira vista. É, aliás, a um argumento de simples diferença de grau que recorreremos na parte final deste nosso estudo para mostrar a proximidade que nos parece existir entre a retórica e a hipnose, ao nível dos respectivos processos de comunicação.

(*) Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 117

16 agosto 2004

O Norte dos políticos

Ontem à tarde:

Em Apúlia, Carvalho da Silva (CGTP) passeava com sua filha, ainda bebé, após uma paragem à beira da estrada, ao mesmo tempo que ia apreciando o movimento nas diversas bancas de batatas e cebolas que tradicionalmente ali são instaladas pelos agricultores locais para venda directa. Imagino que tenha ficado satisfeito com a ausência de "intermediários exploradores".


Ontem à noite:

Em Viana do Castelo, o presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio, passeava acompanhado no interior da catedral de consumo local, o Estação Shopping. Com um ar muito informal e tranquilo, lá ia espreitando as novidades, de loja em loja. Não sei se comprou alguma coisa. Só sei que não o vi tirar as mãos dos bolsos, o que condiz com a sua conhecida preocupação do "rigor orçamental".

14 agosto 2004

Como avaliar "o nosso primeiro"?

É cada vez mais difícil avaliar um político por interposta pessoa. Só que a factualidade política mostra-se tão profusa, tão complexa e, não raramente, tão obscura, que quem para sobreviver precise de fazer algo mais do que análise política, outro remédio não tem senão o de procurar neste ou naquele órgão de informação a opinião que, digamos assim, emerge do saber especializado. É esse o drama do nosso tempo e um dos principais ónus da democracia: termos que formar e emitir opinião (ou expressá-la pelo voto) mesmo sobre aquilo de que pouco ou nada sabemos. Precisamos por isso, de auscultar o que pensam os especialistas. E de confiar neles. Trata-se aqui, em grande parte, daquela confiança nos sistemas periciais a que alude Giddens, ou seja, de uma confiança que assenta apenas na vaga e parcial percepção do conhecimento neles incorporado, no dizer do conhecido sociólogo, "algo que eu próprio não posso, em geral, verificar de maneira exaustiva"(*). É assim na medicina, na genética, na robótica, na física ou na matemática e não poderia deixar de ser do mesmo modo também na economia, na sociologia e na política. Contudo, no caso da política portuguesa, parece que pouco adianta consultar os peritos na matéria. Porque se dois políticos tão credenciados e ambos do mesmo partido (já agora, também da mesma tendência interna), que publicamente dão mostras de uma grande solidariedade politico-ideológica - nomeadamente, ao nível dos grandes princípios éticos e demais valores que devem nortear a acção politica - avaliam de maneira tão diferente o nosso actual primeiro-ministro, a que conclusão poderá chegar o vulgar cidadão que, regra geral, só de longe, muito longe, pode seguir o desempenho dos seus governantes? É esta a pergunta que levanto a mim próprio quando, depois de ter visto Pacheco Pereira ao longo das últimas semanas dizer tão mal de Santana Lopes, dou com Rui Rio a afirmar em entrevista à "Visão" desta semana: "Só posso dizer bem de Santana".


(*) Giddens, Anthony (1996), Consequências da Modernidade, Oeiras: Celta Editora, p. 19

12 agosto 2004

A retórica da clonagem

Como está a ser noticiado pela generalidade dos órgãos de informação, foi ontem autorizada em Inglaterra, pela primeira vez, a clonagem de embriões humanos para fins terapêuticos. O que penso sobre esta grande questão do nosso tempo, já o disse no meu livro "O Homem com medo de si próprio", que acaba de ser publicado, e do qual deixo aqui este excerto:


A clonagem é boa, proclamam uns; a clonagem é má, avisam outros. E vem a réplica: a clonagem é boa quando limitada à clonagem terapêutica; a clonagem má, é a reprodutiva. A clonagem terapêutica, diz-se, é benéfica porque pode ser muito útil no estudo e tratamento de doenças genéticas graves, como no caso das doenças de Parkinson ou Alzheimer. Mas logo alguém rebate afirmando que a clonagem terapêutica abre caminho à clonagem reprodutiva, logo, também é má. E, de facto, se um homem é estéril e usa a clonagem reprodutiva para ter um filho pode-se defender que esse uso foi um uso terapêutico. Clonagem reprodutiva? Não. “Isso é criminalmente irresponsável. Haveria muitos defeitos, muitas anormalidades, muitas crianças mortas. Para mim está fora de cogitação” (180) - afirma a genetista Anne McLaren, pioneira da biologia reprodutiva e membro do Human Fertilisation Embryology Authority, organismo que regula as pesquisas com embriões, em Inglaterra. Enquanto isso, os raelianos da Clonaid e o médico italiano Severino Antinori continuam a anunciar ao mundo uma série de clones humanos, cujo nascimento está para breve ou já deveriam mesmo ter nascido, mas aos quais ninguem conseguiu ainda pôr a vista em cima. E assim continuamos divididos entre o sonho de criar um novo homem e o receio de vir a gerar apenas um monstro.

Essas são divergências centradas no ainda insuficiente estádio do conhecimento científico sobre a clonagem. Assim, o método não é suficientemente seguro e eficiente? Então, pelo menos, por agora, proíba-se a clonagem. Mas... e depois? Devemos aguardar que a ciência seja capaz de assegurar à clonagem uma taxa de cem por cento de sucesso ou muito próximo dessa percentagem? Que não, gritarão aqueles que consideram que a clonagem é, além do mais, eticamente condenável. Aqui, mudam os argumentos: porque vai afectar as relações de parentesco e isso destruirá o ideal de família, porque trará problemas com a identidade do indivíduo clonado e além disso, porque passaria a ser uma arma ao dispor de qualquer controlo genético. A pretensão do homem se comparar a Deus e querer assim substituí-lo na ordem da criação, é um argumento de índole religiosa que pode também, a todo o momento, ser atirado para cima da mesa. Renato Janine Ribeiro, professor de Ética e Filosofia na Universidade de S. Paulo, analisa estas dificuldades éticas suscitadas pela clonagem com base numa certa rigidez ou imutabilidade da nossa própria ideia de ética. Segundo ele, “Cremos no progresso da ciência, mas na permanência da ética. Ora, nada justifica que a ética não mude. Se não ousamos dizer que a ciência chegou a seu estágio final, não devemos dizer isso da ética (...)” (181).

E isto, porque, embora directamente a ética e a ciência não tenham a ver uma com a outra (a ciência diria o que é, e a ética, o que se deve fazer), o que se passa, de facto, é que as duas se influenciam e ajustam mutuamente (182). E a história é a melhor testemunha: “Poucos, hoje, condenam a anatomia. Sabemos que o conhecimento gerado por ela salvou milhões de vidas. Somos mais tolerantes com a sexualidade alheia. A expressão efusiva de sentimentos em público, mesmo de teor sexual, incomoda cada vez menos gente. E isso nos ajudou a ter uma ética que lida menos com a superfície e mais com o fundo das coisas. Saímos do conjunto de regras prontas e passamos a questionar o seu sentido. Tal mudança deve muito à ciência” (183).

Ora bem se vê que, se muda a natureza do saber que nos permitiu estruturar uma crença ética, esta não poderá permanecer indiferente a tal alteração. Ou se suspende ou, no mínimo, terá de se adaptar aos novos conhecimentos, de ser reavaliada. Talvez então que a dificuldade de gerar consenso na clonagem possa, em grande parte, ser explicada pelo facto do reajustamento ter que se aplicar quer sobre o rumo (da ciência) quer sobre o próprio instrumento do reajuste (ética). Em qualquer dos casos não basta debater ou argumentar na base de uma epidérmica sensibilidade à questão. É preciso recolher a máxima informação possível, reflectir e ponderar sobre os principais valores e direitos em causa, alguns deles, como se sabe, conflituando entre si. Será que o físico Richard G. Seed, também ligado à embriologia, avançou com as melhores razões em favor da clonagem, quando declarou à revista Scientific American (Nov/2001) que ela poderá eventualmente ser um último recurso para tratar casos graves de infertilidade ou para "substituir um ente amado, já falecido, por um gémeo"? (184) Mas este é ainda o nosso mundo, o mundo humano. E, como vimos, já outros mundos nos espreitam. Novos mundos, novas perplexidades. Tamanho é o salto mental que exigem de nós.


in Sousa, Américo (2004), O HOMEM COM MEDO DE SI PRÓPRIO, Porto: Estratégias Criativas, pp. 100-101



(180) Entrevista à “Revista Pesquisa”, disponível no “site” brasileiro do Ministério da Ciência e Tecnologia: http://www.mct.gov.br/especial/clone04.htm
(181) Ribeiro, Renato Janine, “Prometeu versus Narciso: a ética e a clonagem” in “Revista Pesquisa”, disponível no site brasileiro do Ministério da Ciência e Tecnologia: http://www.mct.gov.br/especial/clone05.htm
(182) No mesmo sentido de mudança e inter-influência da ética e da ciência, diz George Steiner: “A nossa ética, os nossos hábitos de consciência fundamentais (....) estão em pela mudança (...) nós próprios nos encontramos em metamorfose. Ignorar estes fenómenos científicos e tecnológicos, desdenhar os seus efeitos sobre a nossa experiência física e mental, é abandonar o campo da razão” op. cit. p. 130
(183) Ribeiro, Renato Janine, op. cit.
(184) in ComCiência-Revista Electrónica de Jornalismo Científico:

http://www.comciencia.br/reportagens/clonagem/clone05.htm

11 agosto 2004

Excertos de um livro não anunciado (197)

Caracterizada por Perelman como “uma relação de participação, assente numa visão mítica ou especulativa de um todo do qual símbolo e simbolizado fazem igualmente parte” (*), a ligação simbólica é uma outra estrutura argumentativa fundada no real de forte potencial persuasivo. Basta atentar no sentido injurioso de que geralmente se reveste o acto de queimar em público a bandeira de determinado país. Como o são igualmente os argumentos de dupla hierarquia, tanto de natureza quantitativa como qualitativa. Os primeiros estarão presentes quando, por exemplo, do “facto de um homem ser maior do que outro se conclui que as suas pernas são também mais compridas” (**)e os segundos, que Perelman considera serem os mais interessantes, têm lugar quando da superioridade de um fim se conclui pela superioridade do meio que o permite realizar. É o que se passa quando a superioridade do adulto sobre a criança leva a que esta seja confrontada muitas vezes com a recomendação: “porta-te como um adulto!”.

(*) Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 115
(**) Idem p. 116

09 agosto 2004

Os blogues e o novo jornalismo

Mário Mesquita lembra, no Público de ontem:

Tal como nos primeiros tempos da imprensa, o jornalismo não era praticado por profissionais, nos nossos dias as novas tecnologias possibilitaram o surgimento de um "jornalismo pessoal" ou "amador".

Tema central: os blogues entre o jornalismo como prática e o jornalismo como profissão.

Ler aqui todo o artigo "O novo jornalismo pessoal".

Excertos de um livro não anunciado (196)

(...) Aliás, na dinâmica argumentativa, muitas vezes nem é o argumento de autoridade que se põe em questão mas sim a autoridade que concretamente foi invocada. Neste sentido, o orador tenderá a enfatizar a autoridade que está de acordo com a sua tese e a desvalorizar a autoridade em que se apoiam os que sustentam uma tese contrária. Entendemos, porém, que a importância da ligação acto-pessoa não se limita à esfera de credibilização ou descredibilização das autoridades invocadas pelo orador, antes se assume também como indicador da sinceridade ou insinceridade com que ele próprio se dirige ao auditório. Porque um orador pode ser dotado de uma excepcional competência argumentativa, pode mesmo aliar à técnica de raciocínio e expressão um natural encanto ou sedução pessoal, mas dificilmente conquistará a adesão do auditório se este o associar a um passado de actos tão reprováveis que infundam o legítimo receio de manipulação.(...)

03 agosto 2004

Aniversário "2 em 1"

Pelos vistos, a moda dos "2 em 1" acaba de chegar também aos aniversários dos blogues. Mas é verdade que só a inconfundível ironia opinativa do Alberto Gonçalves já justificaria a dupla saudação. Portanto... parabéns e parabéns.

Pobre português...

Não há ensino oficial que resista.

No JN de hoje surge como título de primeira página:

Assinatura
do acordo para
venda da Galp
assinado hoje

Que coisa... afinal, quantas vezes é que este acordo vai ser assinado?

Excertos de um livro não anunciado (195)

O prestígio de que se goza pode ser visto como um capital que se incorpora na pessoa, passando a constituir um activo a que é legítimo recorrer em caso de necessidade. E é nesse contexto que se cria um preconceito favorável ou desfavorável que irá influenciar a interpretação dos actos, conferindo-lhes uma dada intenção em conformidade com a ideia que se faz da pessoa em causa. Dito de outro modo, o prestígio de uma pessoa exerce uma determinada influência na maneira como são interpretados e acolhidos os seus actos. Daí o papel muito importante que o argumento de autoridade pode assumir na argumentação. É que, como diz Perelman, se nenhuma autoridade pode prevalecer sobre uma verdade demonstrável, o mesmo já não se passa quando se trata de opiniões ou juízos de valor.