29 abril 2006

O direito à reforma

É muito curiosa esta ideia do Governo querer prolongar o trabalho dos mais velhos enquanto os mais novos continuam no desemprego. Pelas minhas contas, se a moda pega, qualquer dia os mais novos chegam à idade da reforma sem nunca terem podido trabalhar. Não há direito.

Trabalho forçado

Num mundo do trabalho onde o emprego está praticamente vedado a quem tenha mais de 35 anos e os trabalhadores mais velhos são, regra geral, postos na prateleira, que sentido faz um sistema de reforma que os obrigue a trabalhar até aos 65 ou mais?

28 abril 2006

Assertividade ministerial

Os portugueses vão ter vergonha de fugir ao fisco.

Teixeira dos Santos, Vida Económica, 28 Abril 2006

Talvez não. Não acredito que Portugal seja um país de envergonhados.

27 abril 2006

A ambição de Manuel Fernandes

Manuel Fernandes, treinador de futebol e assumido sportinguista, revelou há minutos na TSF (Bancada Central) o seu maior desejo para as eleições de amanhã no Sporting:

Que ganhe o candidato que os sportinguistas escolherem.

Não o sabia tão ambicioso...

Excerto de um livro não anunciado (308)

Ensina Perelman, ao distinguir entre demonstração e argumentação, que esta última só tem lugar quando não é possível “estabelecer uma relação entre a verdade das premissas e a da conclusão” (*) e, consequentemente, não dispomos de uma linguagem formal de natureza lógico-matemática que nos permitisse demonstrar o carácter necessário de uma dada solução. De resto, mesmo que, por mera hipótese, pudéssemos recorrer a um mecanismo de inferência puramente formal, ainda assim, do nosso interlocutor não se poderia nunca dizer que fora persuadido, pois os factos, as noções e as regras de raciocínio ou de cálculo constituintes da própria demonstração, tornariam automaticamente evidente o caminho a seguir, na direcção da única decisão certa possível. Estaríamos, portanto, perante uma situação em que a palavra e o conceito para que esta sempre remete seriam suficientes por si só para se imporem a uma outra mente racional. Sabemos, porém, que na argumentação a palavra ou, dito de outro modo, as premissas, as razões invocadas e as provas fornecidas pelo orador não têm a força nem o rigor do cálculo matemático, pelo que nunca poderiam conduzir à evidência, à necessidade ou à verdade única. Logo, diferentemente do que se passa na demonstração, a palavra da argumentação é uma palavra fraca e insegura que, à partida, legitima todas as dúvidas. Há então boas razões para daqui se inferir que se essa fraca palavra argumentativa (logos) ainda assim triunfa, é porque na específica situação de comunicação em que tem lugar, conta com um quid de afirmação que lhe é adicionado no momento em que se encontra com um ethos e com um pathos que se mostram favoráveis à sua aceitação.

(*) Chaim Perelman, (1993), O império retórico, Porto: Edições ASA, p. 21

26 abril 2006

A vergonha do enriquecimento fácil

Quem tenha reparado bem na expressão facial do presidente do maior banco português ao explicar na TV como foi possível ganhar quase 200 milhões de euros só no 1.º trimestre deste ano (mais de 44% do que registou em igual período do ano anterior), deve ter notado que se encontrava pouco à vontade, parecendo até envergonhado pelo seu banco ter lucrado tanto. E não era para menos. Ver um banco enriquecer tão desmedidamente num país cada vez mais pobre, deve envergonhar qualquer um. Que ainda tenha vergonha, claro.

Impressão radiofónica

Hoje de manhã o locutor de uma conhecida estação veio ao rádio do meu carro lamentar que o Partido Nacionalista português – da extrema-direita, diz-se - esteja a ter sucesso com as suas manifestações públicas contra o aumento da criminalidade. Foi impressão minha ou estava menos preocupado com o aumento da criminalidade do que com a sua divulgação?

25 abril 2006

A carruagem anti-assédio

O insólito vem do Rio de Janeiro e foi hoje noticiado pela TVI: a partir de agora, comboios e "metro" da Cidade Maravilhosa terão que circular com uma carruagem a mais, exclusivamente destinada a mulheres. Parece que a ideia será a de impedir o assédio que vinha atingindo proporções insuportáveis.

Ah...como me arrependo da cara de parvo que fiz nos Emirados Árabes Unidos, há cerca de 3 anos, quando por lá descobri uma praia só para mulheres (em Abu Dhabi). Porque reconheço hoje algum pioneirismo naquilo que, na altura, me surgiu como ultrapassado expediente discriminatório. Afinal, só três anos depois é que o Brasil resolveu isolar as mulheres dentro de uma carruagem de comboio. Será que também vão fazer o mesmo com a praia? Já não sei de nada. Faço até figas para que não acabem também com a escola mista. Ó tempo volta p'ra trás...

Excerto de um livro não anunciado (307)

Poderia Breton ter ido ainda mais longe, no sentido de incluir a sedução no contexto da própria argumentação? Inclinamo-nos para uma resposta afirmativa. Se a sedução ou o encantamento é um fenómeno intrinsecamente humano, não se vê como poderia a argumentação prescindir desse registo de convencer. Torna-se, aliás, formulável uma segunda questão: seria possível influenciar ou convencer alguém apenas pelo recurso à mais fria razão?

24 abril 2006

Epistemologia jornalística

Disponibilizo aqui o texto integral da comunicação que levei ao VII Congresso Lusófono de Ciências da Comunicação, em Santiago de Compostela. Mas para quem queira apenas, ou antes de mais, ficar com uma ideia geral do que lá se trata, o melhor ainda será ler a breve apresentação que dela fiz no próprio evento:

A minha comunicação corresponde, em síntese, a uma reiterada afirmação do primado da objectividade jornalística e dos valores de isenção e rigor que lhe andam associados.

Trata-se aqui, naturalmente, da objectividade possível e não de uma objectividade absoluta, que é, como se sabe, inacessível aos humanos. Mas como digo no meu texto, o facto da própria ciência não ascender a verdades absolutas não lhe retira objectividade. Com as devidas diferenças, assim será também no jornalismo.

Não parece, contudo, ser este o pensamento dominante no actual campo jornalístico português, tantos são os que contestam os valores de isenção e de rigor no jornalismo, ainda que estes continuem a figurar como deveres básicos nos códigos deontológicos que regem a actividade.

Fui à procura de declarações de jornalistas portugueses que se posicionam num certo “subjectivismo jornalístico” e encontrei três grandes tipos de argumentos:

O argumento mitológico - a objectividade é apenas um mito criado para o jornalismo aparentar uma competência que não tem.

O argumento perspectívico - não há objectividade, porque os jornalistas olham para realidade a partir de uma determinada perspectiva (que pode não ser a dos outros).

E o argumento limitativo - a objectividade é impossível devido às limitações do próprio jornalista (percepção, influência do seu sistema de valores, particular relação com o mundo, etc.).

São estes três principais argumentos que procuro desqualificar no meu texto, ao mesmo tempo que chamo a atenção para o perigo de poderem funcionar como verdadeira almofada teórica para justificar todos os excessos, desde logo, o da recusa de qualquer pretensão de objectividade jornalística.

É que num jornalismo sem objectividade, sem imparcialidade, sem isenção e rigor o jornalista poderia passar a dizer o que lhe viesse à cabeça, escrever sobre assuntos da sua exclusiva preferência ou interesse pessoal, cingir-se à realidade ou misturar ficção. Seria indiferente. Porque o leitor não teria nada a ver com isso. A voz de comando seria a de um critério jornalístico verdadeiramente à solta e sempre sujeito às mais subjectivas invocações.

Ora o mínimo que se pode dizer deste subjectivismo é que é perfeitamente absurdo. Porque se do ponto de vista de uma vida partilhada, a reacção do outro fosse completamente imprevisível, a própria vivência comunitária estaria em risco. E não está. Pelo menos, por esse motivo.

Se o verdadeiro ou o falso, o certo ou incerto, o bom ou o mau dependessem apenas da subjectividade de cada um, como conseguiriam os homens comunicar entre si? O caso extremo das preferências pessoais é talvez o mais elucidativo. Elas são evidentemente subjectivas, naquele sentido banal de que se reportam a sujeitos. Mas já não cognitivamente subjectivas, porque podem ser justificadas, podem ser compreendidas. Não valem todas a mesma coisa, não são igualmente aceitáveis, não são aleatórias.

Uma pessoa pode gostar de fumar, e outra, não. Provavelmente, uma valoriza mais o prazer e a descontracção que o fumo lhe proporciona, do que o mal que lhe faz à saúde e que não ignora. A outra, o inverso. Mas a decisão ou comportamento de cada uma, tem uma explicação objectiva. Não é tudo subjectivo, não é tudo aleatório, não é tudo irracional.

Acresce que se tudo fosse muito subjectivo, a própria afirmação de que tudo é muito subjectivo seria também ela muito subjectiva, auto-refutante, logo, racionalmente inoponível a quem dela discordasse, já que a partir daí deixaria de haver qualquer razão ou fundamento para se poder considerar uma afirmação, qualquer afirmação, como melhor ou pior do que outra. E é para este beco sem saída que a recusa da objectividade acaba por nos lançar.

Por aqui se vê como o subjectivismo jornalístico assenta numa ideia tão errada como prejudicial. Num tempo em que, pela perversão mediática das tiragens ou das audiências, o jornalismo está sujeito a uma cada vez maior descaracterização, que estranha razão poderia levar o leitor a passar um cheque em branco a um jornalista que não respeitasse o princípio da objectividade, quando, precisamente por isso, a maior vigilância crítica o deveria submeter?

A recusa da objectividade jornalística não atenta, por isso, apenas contra os direitos do leitor mas também contra a sua boa-fé. E isso, convenhamos, não é coisa que se faça.

23 abril 2006

Troca de palavras


Até onde pode levar uma simples troca de palavras entre o médico e a enfermeira? Leia isto e diga lá se não é caso para dizer: ou é anedota ou é coisa de doidos...

Ciências da Comunicação em Santiago de Compostela

Terminou ontem o LUSOCOM 2006 - VII Congresso Lusófono de Ciências da Comunicação que decorreu durante dois dias na Faculdade de Ciências da Comunicação da Universidade de Santiago de Compostela, com a participação de professores e investigadores de comunicação de Angola, Brasil, Galiza, Moçambique e Portugal.

Apesar de só ter podido estar presente no último dia e de ter permanecido quase sempre no interior da "Aula 4" - a sala onde apresentei a minha comunicação - fiquei com a ideia de que tudo correu pelo melhor, dentro dos condicionalismos a que um evento desta grandeza sempre está sujeito.

Como ponto menos positivo (mas não exclusivo desta edição do congresso) registe-se a escassez de tempo para cada investigador apresentar o seu trabalho e, principalmente, para o sujeitar à devida discussão. Dizia um conhecido colega da Universidade de Aveiro, já no final das sessões temáticas, que é chegada a hora de se reformular este modelo de congresso e de lhe conferir maior dimensão crítica, provavelmente, com o recurso mais intensivo às novas tecnologias. Assino por baixo.

Se é já uma rotina editar as actas de congresso em CD e distribuí-lo aos participantes logo na abertura do congresso, já agora, porque não enviá-las, via e-mail, com alguns dias de antecedência (pelo menos as respeitantes a cada mesa temática)? Desse modo, ao entrar na sala, cada investigador já conheceria as comunicações dos restantes colegas e, por isso mesmo, já se encontraria também apto à sua discussão sem ter que ficar horas a fio remetido à mais completa passividade para receber uma informação que já lhe poderia ter sido anteriormente transmitida, de forma muito mais cómoda e atraente. O congresso, esse resultaria menos descritivo e muito mais crítico, como convém à evolução do conhecimento científico. Fica a sugestão.

Como ponto mais positivo, a extraordinária adesão de investigadores/pesquisadores do mundo lusófono, com destaque para a excelente representação dos colegas brasileiros, sempre muito bem-vindos e a oportunidade, durante o cocktail final, de uma maior aproximação pessoal entre os participantes oriundos das diversas universidades e centros de investigação. Mas concerteza que a maior valia deste congresso só as actas a espelharão enquanto registo definitivo do labor científico de cada participante. Por isso se dirá que o CD onde foram cuidadosamente gravadas, passará a funcionar, para todos os efeitos, como um autêntico congresso virtual permanente.

Está de parabéns o Comité Organizador na pessoa da sua prestigiada coordenadora, Margarita Ledo Andión.

20 abril 2006

Excerto de um livro não anunciado (306)

Mas se chamamos aqui estes distintos modos de situar o lugar da persuasão face à retórica, foi unicamente para ilustrar a dificuldade, aparentemente incontornável, de se distinguir uma da outra. Aliás, ocorre mesmo perguntar se, ainda que tal fosse possível, daí resultaria algum benefício significativo para a compreensão do processo argumentativo. Esta interrogação parece ganhar ainda mais sentido quando vemos Breton fazer apenas a distinção entre a argumentação (enquanto meio poderoso de fazer partilhar por outrem uma opinião) e a violência persuasiva, o recurso à sedução e à demonstração científica (*) . Aliás, considera que mesmo esta distinção é passível de algumas reservas, nomeadamente no que respeita à sedução, pois ela é muito menos simples do que parece. E explica porquê: “Uma das principais características das acções humanas é, com efeito, para além da sua complexidade, o facto de elas parecerem mobilizar sempre, de modo indivisível, toda a riqueza dos possíveis. Assim, raramente se encontram situações puras de sedução, nem situações puras de demonstração ou argumentação. Toda a história da retórica, a antiga ‘arte de convencer’, é atravessada pelo lugar que deve ocupar o ‘agradar’ ou o ‘comover’ relativamente ao estrito raciocínio argumentativo. Da mesma forma, a publicidade moderna, objecto complexo como ela é, deve a sua temível eficácia ao facto de jogar simultaneamente em todos os registos de convencer. Todos esses elementos estão muitas vezes inextricavelmente ligados. Seria, portanto, preferível descrever essas situações, segundo os casos, como predominantemente de sedução ou predominantemente de argumentação” (**) .

(*) Philipe Breton, A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1998, p. 13
(**) Idem

19 abril 2006

Problema da morte ou problema da vida?

Na entrevista concedida à revista Pública, n.º 516, de 16 Abril 2006:

(O problema da morte é um falso problema?)

Sim e esconde o âmago da questão: o amor. Quem ama Cristo segue-lhe incondicionalmente os passos, como única meta existencial. O homem que ama uma mulher salta por cima de tudo, joga fora grandes valores em favor da amada. Não é justo nem injusto. É superior.

J. Pinto da Costa
Catedrático de Medicina Legal e Ex-Director do Instituto de Medicina Legal do Porto

18 abril 2006

Para que serve uma oposição?

Marques Mendes (PSD) e José Ribeiro e Castro (CDS-PP), “não estão a fazer uma oposição que possa levar a uma substituição do Governo”, diz Vasco Rato.

Bom. Que não estão a fazer oposição, até se percebe. Mas será que a responsabilidade primeira da oposição é a de substituir o Governo? Então e os tão apregoados superiores interesses do país? Não deveria esta (ou qualquer outra) oposição, antes de mais, levar o Governo a governar melhor?

17 abril 2006

Pode o jornalismo ser isento e rigoroso?

É o título da comunicação que irei apresentar no LusoCom2006 (VII Congreso Internacional de Comunicación Lusófona), já no próximo sábado, na FACULTADE DE CC DA COMUNICACIÓN, em Santiago de Compostela. Aqui fica o programa do Congresso.

16 abril 2006

Excerto de um livro não anunciado (305)

Curiosamente, há também quem deixe a sedução fora quer da retórica quer da persuasão. É o que faz Bellenger, no seu livro La Persuasion (*), onde depois de proceder à distinção entre persuasão dissimulada e persuasão manifesta - ligando a primeira ao estratagema do ardil, da sugestão ou dominação e a segunda, tanto ao que chama de persuasão “sadia” como à retórica - remete a sedução para o campo da incitação meramente espontânea, com base no carisma, no encanto, no prestígio e na fascinação, fora, portanto, da prática intencional calculada, que é própria da persuasão em geral. Recorrendo a um processo de subdivisões sucessivas, Bellenger como que procede, além disso, a uma depuração de todas as “impurezas” da persuasão, as quais, segundo o seu ponto de vista, são mais próprias do estratagema e, imagine-se, da retórica: a arte do desvio, a inteligência ardilosa, a sugestão, a dominação e o mito do chefe, no caso do estratagema, e os sofismas, as figuras do discurso e o condicionamento psico-linguístico, no que à retórica diz respeito. Não surpreende, assim, que no seu afã discriminatório, acabe por classificar como racional a persuasão “sadia” e como emocional, a retórica. Deve dizer-se, no entanto, que a sua concepção de retórica não resistiria ao mínimo confronto com os desenvolvimentos teóricos mais recentes, especialmente a partir de Perelman, de que este trabalho procura dar conta. Daí que a sua classificação das diferentes formas de influência redunde numa sucessão de equívocos, que vão desde o rigoroso enclausurar da sugestão no estratagema até à suposta purificação da racionalidade persuasiva, uma vez desligada de toda a “irracionalidade” da retórica.

(*) Lionel Bellenger, (1996), La Persuasion, Paris: Presses Universitaires de France, p. 8

Cara a cara

Teve lugar, na China, o segundo transplante facial em todo o mundo. A foto é impressionante. E operações cara a cara, como esta, irão por certo tornar-se agora mais frequentes, para não dizer banais. O rosto perderá então a sua identidade original, passando a responder por outro nome, por outra forma de pensar e sentir, por outra maneira de ser. É ainda muito cedo para se ter uma ideia clara sobre o questionamento ético, filosófico, político, jurídico e social que esta nova tecnologia médica irá suscitar. Mas talvez seja melhor ir pensando nisso, porque, como já escrevi aqui e ali, o mundo não será mais o mesmo.

14 abril 2006

Valha-nos S. Bento

(Do Estatuto dos Deputados)

Capítulo III

Artigo 14.º

Deveres dos Deputados

  1. Constituem deveres dos Deputados:

    a) Participar nos trabalhos parlamentares e designadamente comparecer às reuniões do Plenário e às das comissões a que pertençam;

    b) Desempenhar os cargos na Assembleia e as funções para que sejam eleitos ou designados, sob proposta dos respectivos grupos parlamentares;

    c) Participar nas votações;

    d) Assegurar o indispensável contacto com os eleitores.

  2. O exercício de quaisquer outras actividades, quando legalmente admissível, não pode pôr em causa o regular cumprimento dos deveres previstos no número anterior.

A gente lê este Estatuto dos Deputados e até fica com pena. Coitados: tantos deveres, tantas ocupações, tantas responsabilidades. Afinal, é tudo treta. Bendito seja o "apagão" na votação da passada 4.ª feira na Assembleia da República que nos veio abrir os olhos: os coitados somos nós que continuamos a sustentar representantes deste calibre. Uma vergonha. Valha-nos, S. Bento.

Excerto de um livro não anunciado (304)

Uma outra forma de situar a persuasão é a assumida por Murilo César Soares (*), para quem persuasão e sedução são apenas dois modos da retórica. A persuasão, derivando da argumentação e a sedução, proveniente da dramatização. Tem, sem dúvida, o mérito de reconhecer a presença de determinações estéticas e emotivas no discurso retórico, mas, ao pressupor que a persuasão deriva unicamente da argumentação (aqui, obviamente, subentendida como argumentação racional) permanece, ainda assim, refém de uma artificial separação entre razão e emoção que colide com a impossibilidade prática de se demarcarem fronteiras entre o que é persuasivo e o que é sedutor. E sem um critério de demarcação é a própria distinção que fica em causa. Mas a ideia de ver a persuasão e a sedução como modos da retórica, merece acolhimento como modelo hermenêutico de chegar a um entendimento menos divisionista da retórica, enquanto prática discursiva orientada para a produção de determinados efeitos. Já Meyer admite sem qualquer relutância que a sedução tem também o seu lugar na argumentação, ao dizer que “a relação retórica consagra uma distância social, psicológica, intelectual, que é constringente e de circunstância, que é estrutural porque, entre outras coisas, se manifesta por argumentos ou por sedução” (**).

(*) Murilo César Soares, "Retórica e Política", in Revista Comunicação & Política, Rio de Janeiro: Centro de Estudos Superiores Latino-Americanos, 1996, vol. III, nº. 2, nova série, Maio-Agosto.

(**) Michel Meyer, (1998), Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Ldª., p. 26

13 abril 2006

Prioridades animalescas

Fiquei a saber pelo Eduardo Pitta, Da Literatura, que a população de Alfornelos está a ser encurralada por um Estado que parece surdo e insensível ao drama dos seus 15.000 habitantes. A fonte é esta crónica Ratos e homens de Vasco Graça Moura, no DN, por onde se fica a saber que em matéria de preservação do ambiente a nossa Administração Pública chega a dar prioridade ao sapo, ao morcego e ao rato em desfavor da qualidade de vida e bem estar das pessoas. Mas que coisa mais chanfrada. Será que o sapo, o morcego e o rato, tratariam as pessoas com a mesma deferência? Eu seja sapo se entendo.

Um blogue de referência

Na pessoa do Prof. Manuel Pinto, parabéns ao Jornalismo e Comunicação por ter completado 4 anos na blogosfera, com a novidade, a competência e o brilho que todos lhe reconhecem.

A notar: o bom gosto do Luis Santos, responsável pelo novo grafismo.

Por onde andaste?


Andei por aqui. Por este sossego. Ora caminhando pelo passadiço, de livro ao colo, ora sentado naquele banco virado para o mar, lendo. E a cada voltar de página um novo olhar sobre o horizonte que ao livro parecia disputar minha atenção. Incapaz de optar, entreguei-me aos dois. E passei a "ler" tudo à minha volta. Foi aí que a paisagem se fez texto.

09 abril 2006

Pedro Mexia, o Sexo e a Cidália


Quem valoriza excessivamente a literatura como documento manifesta mais interesse pelo mundo do que pela literatura - sentencia Pedro Mexia, na revista NS, do JN. A (sua) ideia é a de que, na literatura, a correspondência da escrita com a realidade ou com o vivido, é apenas um caminho possível já que muita da grande literatura nasceu da imaginação ou da fantasia. E, lembra, a propósito, que muitos escritores, nomeadamente dos géneros mais radicais, não viveram nada do que escreveram. Sade, por exemplo, terá sido razoavelmente libertino, mas nada que se compare aos infernos sexuais que deixou associados ao seu nome.

Foi com este sugestivo exemplo ainda na memória que meia dúzia de páginas à frente me detive naquela croniqueta semanal “O Sexo e a Cidália”, onde anónima autora (ou autor, sabe-se lá…) nos vem apresentado o repertório das suas mais ou menos atribuladas “vivências” sexuais. Num estilo muito “terra-a-terra”, como convém, aí temos o relato de peripécias, devaneios e gozos vários, uma espécie de blogue íntimo no qual podemos espreitar as mil e uma experiências sexuais ou para-sexuais da sua autora (sem grandes excessos de linguagem, já se vê). Esta semana conta-nos que foi jantar com mais um sujeito – “um amigo de uma amiga” - e que, findo o repasto, os dois já bem bebidos, rumaram a casa dela. É aqui que reencontramos a “escritora” Cidália no seu melhor:

Sobe, disse-lhe eu. E ele de mãos nos bolsos de trás dos jeans, sorriu como se lhe tivesse dado uma guloseima.

Nunca saberemos para onde é que a Cidália queria que o desgraçado subisse nem quais as suas reais intenções. Mas também não importa porque, entretanto, a crónica chegou ao fim. O que parece interessante realçar é que, na linha do que Mexia defende, as pessoas não têm que limitar a sua escrita ao que conhecem e muito menos ao que vivem. A realidade é o que é e, como tal, não pode escapar à literatura. Mas esta ocupa-se também da realidade que já foi, assim como da que não é mas poderia ter sido e até da que ainda poderá vir a ser. Literatura (com L grande ou l pequeno, dá no mesmo) carece sempre de uma certa dose de fantasia. Daí que as mais loucas aventuras da Cidália possam muito bem não passar de puro exercício de imaginação. Desde logo porque a escrita não tem que ser o espelho da experiência. Mas, sobretudo porque, como diz Mexia, Escrever é uma modalidade de viagem, e é natural que queiramos viajar por sítios onde nunca fomos. Ora aí está: não sei porquê mas palpita-me que é esse o caso da Cidália…

07 abril 2006

Estudos de retórica

Este número da Revista de Comunicação e Linguagens sobre retórica não é o primeiro a abordar o tema. Mas isso não significa que não fosse tempo de retomar a problemática que a si própria se renova, num contexto já assaz transformado.
Sob o nosso enunciado geral, cabem contribuições muito diversificadas e, frequentemente, nos limites em que fazem a retórica confinar com a linguística, a teoria literária, a filosofia, o politico, ou que a interrogam nalgumas das suas aplicações, como é o caso da publicidade, ou

das suas interpelações, como se dá o caso com a de hipertexto.

Em suma, as contribuições que hoje aqui podemos ler acabam sempre ou lidar de maneira mais próxima e explícita ou, pelo contrario, de modo mais periférico ou implícito, com a disciplina retórica cuja centralidade se tem vindo a intensificar no modo de pensar contemporâneo.
Isso acontecerá, sem dúvida, por obra de diferentes factores. Desde logo pela sua inextricável relação à problemática da linguagem, uma vez que a põe em acção pela finalidade persuasiva, mas também, e de algum modo daí decorrente, pelo papel que a sua dimensão desempenha no acto comunicativo.
Comunicação. Social ou interpessoal, é certamente hoje um processo que levanta no seu cerne a questão retórica por excelência e que é aí incontornável. Por questão retórica entender-se-á toda a interrogação sobre a possibilidade de moção ou co-moção no espírito do outro. O reconhecimento do problema da consciência é, por exemplo, um dos pressupostos da abordagem da referida problemática.
Estas são contribuições para a progressão de um trabalho em curso. A sua diversidade é também índice da complexidade das questões, mas, de qualquer modo, espera-se que daqui resultem expectativas para futuros desenvolvimentos nesta área da discursividade humana.

Tito Cardoso e Cunha

05 abril 2006

Excerto de um livro não anunciado (303)

As já referidas dificuldades de autono- mização conceptual, não têm impedido, porém, que cada autor procure fixar o tipo de relação que a persuasão mantém com as restantes formas de influência. Em Perelman, por exemplo, a persuasão como que surge de tal maneira “colada” à retórica que com ela se confunde. O que essencialmente persuade é a argumen- tação, pois são as razões nela invocadas que levam à adesão do auditório. Disso nos dá conta, nomeadamente no seu Tratado da argumentação onde a par de uma identificação expressa da retórica à argumentação, surge também uma identificação presumida ou virtual desta última à persuasão. Tal identificação parece, no entanto, colocar o acento nos elementos intelectuais do discurso persuasivo à custa de uma aparente desqualificação do papel que a emoção e a afectividade desempenham, de facto, tanto na formação e desenvolvimento dos raciocínios, como nas tomadas de decisão. Não que Perelman ignore ou menospreze as condições psicológicas que concorrem para a eficácia da argumentação, pois ele próprio reconhece que o resultado a que tendem as argumentações “é um estado de consciência particular, uma certa intensidade de adesão” (*) mas sim porque o que realmente pretende apreender é “o aspecto lógico, no sentido muito amplo do termo, dos meios empregados, a título de prova, para obter esse estado de consciência” (**). E é também, certamente, por estas mesmas razões, que se limita a abordar a distinção entre persuasão e convencimento, aliás, em termos que já mereceram as nossas reservas.

(*) Chaim Perelman, (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 59
(**) Ibidem

Eventual aniversário

Parabéns especiais para o David Afonso e o Pedro Cardoso pelo aniversário do "eleito" Dolo Eventual.

04 abril 2006

Dialéctica do esclarecimento

Lê-se na caixa de comentários do Acidental:

jcd said ... (7:03 PM) :
Caríssimo PPM.
Define-me direita, para perceber se sou.


PPM said ... (8:43 PM) :
JCD, não me parece que precise de definir o que é ser de direita, ou preciso mesmo? Comecemos pelo óbvio: é não ser de esquerda.


De onde se conclui que ser de esquerda é... não ser de direita. Nunca pensei que a resposta fosse tão fácil. Nem tão esclarecedora...


Excerto de um livro não anunciado (302)

Ora persuadir (do lat. persuadere) é isso mesmo, convencer, levar alguém a crer, a aceitar ou decidir (fazer algo), sem que daí decorra, necessariamente, uma intenção de o iludir ou prejudicar, tão pouco a de desvalorizar a sua aptidão cognitiva e accional. Pelo contrário, o acto de persuadir pressupõe um destinatário que compreenda e saiba avaliar os respectivos argumentos, o que implica reconhecer o seu valor como pessoa, como centro das suas próprias decisões. Não subscreveríamos, por isso, a afirmação de Pedro Miguel Frade de que “o discurso persuasivo parte sempre, em primeira mão, de uma desqualificação mais ou menos assumida das capacidades e dos propósitos do outro” (os sublinhados em itálico são nossos) (*). Porque na “interacção a dois” (a que este mesmo autor se refere), a persuasão não tem que significar a desqualificação do persuadido mas sim um confronto de opiniões, onde os argumentos ou razões invocadas tanto podem merecer acolhimento como serem liminarmente refutados. Como em tantas outras situações comunicacionais, a manipulação sempre pode instalar-se nos discursos persuasivos. Condenar, porém, a persuasão em abstracto, seria um juízo a priori muito semelhante ao de admitir uma ilicitude sem ilícito.

(*) Pedro Miguel Frade, "Comunicação", in Carrilho, M. (Org.), (1991), Dicionário do Pensamento Contemporâneo, Lisboa: Publicações D. Quixote, p. 52

Folhetim da PJ (3)

Estava certo António José Teixeira quando há dias trouxe o termo "estardalhaço" ao seu editorial, no DN. Porque nenhum outro parece assentar tão bem à época em que vivemos: a época do estardalhaço. Estardalhaço que, para não ser exaustivo, nos tem perseguido no caso da pedofilia, no apito dourado, nas escutas, na rusga ao "24 horas" e na actuação de Freitas do Amaral em relação aos cartoons e ao Canadá. Mas aquilo que ninguém, por certo, estaria a prever é que uma instituição como a PJ, tão habituada a conviver com o segredo, com o sigilo e com a discrição, viesse ela própria a envolver-se no estardalhaço do seu braço de ferro com o Governo.

Bomba de aniversário


Os meus parabéns à dona do mais luminoso dos blogues.

03 abril 2006

Folhetim da PJ (2)

Já o dissera aqui. A ameaça pública de demissão que a ex-direcção da Polícia Judiciária "dirigiu" ao Governo foi preocupante e, além do mais, inadmissível. Não posso, por isso, estar mais de acordo com o que é dito no comunicado do Ministério da Justiça:

"a adopção e exposição pública por parte de uma entidade dele dependente de posições tendentes a condicionar a liberdade do executivo punham em causa a relação de confiança necessária entre tutela e dirigente"

Mas que diabo: será assim tão difícil de aceitar que os responsáveis de um organismo público devem, por respeito e lealdade ao Governo de quem dependem, fazer chegar a sua reclamação de forma discreta e pelos canais que lhes são próprios? Que outro fim poderia ter este folhetim? Não foi a pública ameaça de demissão por parte dos directores da PJ uma ostensiva escolha pela via do confronto?

A divisionite ideológico-espacial

Nem a ontologicização da "esquerda" e da "direita" parece evitar o ridículo de que se cobrem alguns usos da obsoleta distinção. Agora foi durante a reunião que o jornal "Pravada.ru" promoveu no auditório da Biblioteca-Museu República e Resistência, em Lisboa, em cujo painel de convidados se encontrava Daniel Oliveira, do BE. Pela reportagem de Maria José Oliveira, no Público de ontem, ficamos a saber que por lá "foi unânime a ideia de que o Governo de Sócrates não opera um programa de esquerda". O próprio PS, não terá escapado ao "esquerdista" mal-dizer. Segundo Henrique de Sousa, do PCP, "vendeu-se ao mercado" e lançou mesmo uma "ofensiva contra os direitos sociais".

O PS que se cuide. Ou muito me engano ou mais uma reunião destas e os seus deputados ainda vão ter que se sentar à direita dos do CDS-PP.

02 abril 2006

Culpa dos jornalistas?

Medeiros Ferreira parece lamentar aqui que os jornalistas não tenham aproveitado o primeiro acto público de Cavaco Silva (empossar os novos Representantes da República nas Regiões Autónomas) para, no meio de "correrias de microfones e câmaras em riste" (como faziam com Jorge Sampaio) lhe perguntarem o que pensa "da magna questão das ligações internacionais da PJ".

E tem toda a razão: os jornalistas foram muito mais contidos com Cavaco do que, por sistema, eram com Sampaio. Mas porque não lhe ocorreu que nisso pudesse haver mais mérito do novo Presidente do que demérito dos Jornalistas? Não será que cada Presidente tem aquilo que merece (ou com que pactua)?

Um domingo bem passado


Aqui, por exemplo.

Pelo buraco da fechadura

Caso real: uma senhora telefona para a casa de chaves e fechaduras mais próxima e, muito aflita, pede encarecidamente que lhe mandem lá a casa um técnico para abrir a porta, pois segundo afirma, esqueceu-se das chaves "lá dentro". Quando chega ao local, o técnico resolve o problema em dois tempos. A senhora desfaz-se em agradecimentos e dá-lhe uma boa gorjeta com a indicação para aguardar só mais um momento. Escassos minutos depois volta carregada de malas e pede ao técnico para a ajudar a carregá-las, pois está em mudanças. O técnico não hesita. Sob a orientação da senhora, transporta as respectivas malas para um carro estacionado frente à porta. A senhora volta a agradecer e despede-se. O técnico diz-lhe com um sorriso que não foi nada de mais. Passados seis meses o mesmo técnico recebe uma notificação do Tribunal para ir contar tudo muito bem contadinho. Só aí ficou a saber que a tal “senhora” não passava de uma ousada ladra que se tinha servido dos seus conhecimentos técnicos para assaltar mais uma casa pelo buraco da fechadura...

01 abril 2006

A desaustinada saga de Freitas

No Editorial do DN de hoje, António José Teixeira diz, com muita propriedade, que nem "era preciso ir ao Canadá com o estardalhaço que se conhece", nem abona a favor de Portugal que "o Canadá afirme que só recebe Freitas por cortesia". Lapidarmente, remata: O vexame canadiano era desnecessário. E tem toda a razão. O nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros precipitou-se e deu uma má imagem da diplomacia portuguesa. Tão má que nem o "Amigo Público" do Governo se atreve a defendê-lo. Nem sequer um postzinho. E, aqui entre nós: nos tempos que correm não deve haver pior condenação para um ministro...

Excerto de um livro não anunciado (301)

Entendemos porém que não se pode definir a persuasão a partir dos seus usos e muito menos, quando se considerem exclusivamente os maus usos. Porque a par de manifestos abusos ocorridos, por vezes, nas áreas do jornalismo, das vendas, da publicidade, da propaganda política (mas também nas relações do quotidiano, inclusive, familiares...), são inúmeras as situações em que o discurso persuasivo continua a mostrar-se o instrumento mais eficaz e nalguns casos, até, o único humanamente admissível. Estamos a pensar no trabalho do psicólogo, no médico que recupera a esperança de um doente descrente quanto à sua cura, nas campanhas contra o álcool e contra a droga, na prevenção rodoviária, mas também no professor que incentiva nos seus alunos o gosto pela leitura e pelo saber em geral, na mãe que consola e ajuda a sua filha a ultrapassar um desgosto de amor, enfim, no amigo que nos faz ver quando erramos. Quem se atreveria a censurar alguma destas actividades ou procedimentos? E contudo, em cada um dessas situações, o que está em causa é um querer agir sobre o outro, levá-lo a modificar o seu comportamento, a sua atitude ou ideia, perante problemas ou questões cuja resolução implica uma mudança na actual forma de os pensar.