31 maio 2006

Virar o jornalismo do avêsso

Joaquim Fidalgo analisa hoje, no Público, com a frontalidade que o assunto exige e o leitor merece, a candente questão das agências de comunicação que "metem" notícias nos jornais:

Se uma agência a trabalhar para uma grande empresa telefona a um jornalista e lhe diz que tem uma novidade sobre um empreendimento que a empresa vai lançar, oferecendo-lhe a notícia em primeira mão e garantindo que terá o seu exclusivo, o jornalista diz que não quer?. Sabemos que não é assim. Ele habitualmente aceita, todo satisfeito com a cacha, publica-a e até faz um brilharete junto da concorrência. No dia seguinte, a agência de comunicação vai ter com a empresa para quem trabalha - e de quem naturalmente recebe dinheiro -, mostra o recorte ao patrão e, implicitamente, dá-lhe a entender que foi quem conseguiu fazer sair a notícia no jornal, valorizando assim a sua posição. Isto, sabe quem anda nos jornais, acontece todos os dias. É corrupção, é tráfico de, influências, é falta de ética? Não necessariamente. Pode ser ou pode não ser, depende de muita coisa.

Exactamente. Sempre houve bom e mau jornalismo. E tudo leva a crer que assim é e que assim será. Mas transformar as agências de comunicação em bode expiatório é a última coisa que interessa aos próprios jornalistas, sob pena de se comprometerem eticamente ou de serem tomados por anjinhos. Muito oportunas são, por isso, as palavras de Joaquim Fidalgo, que sem negar o que “nos jornais acontece todos os dias” adverte contra o perigo (e a injustiça) de se associar, automaticamente, as práticas das agências de comunicação à corrupção, ao tráfico de influências, à falta de ética.


O que me parece é que, a bem do jornalismo e do interesse do leitor, do ouvinte ou do telespectador, dever-se-ia aproveitar esta onda de alguma suspeita sobre algumas das práticas ou procedimentos que influem cada vez mais na produção jornalística (e que como sabemos, estão longe de se confinar às agências de comunicação) para "virar o jornalismo do avesso”, isto é, para mostrar ao público como nascem e como chegam as notícias ao jornal, à rádio ou à televisão (a). Quem não deve não teme. E não tenho a menor dúvida de que a esmagadora maioria dos jornalistas, não deve.

(a) Sem prejuízo do imperativo anonimato da fonte.


30 maio 2006

Um vizinho compreensivo

Cafetaria do El Corte Inglés, de Gaia. Cheguei há 5 minutos e continuo à espera de ser atendido. À entrada, estavam dois senhores muito bem postos: fato escuro, pescoço ao alto, braços caídos e um sorriso tão artificial que nem parecia para mim. Ainda olhei para o lado e para trás, mas não vi ninguém por perto. O alvo era eu mesmo. Com algum constrangimento acedi a um leve inclinar de cabeça. Resultou. Queriam à viva força escolher-me a mesa, acompanhar-me até lá. Naquele estilo de simpatia forçada tipo "podes sentar-te só onde nós dissermos". Agora que já me abanquei a esta mesa com vista panorâmica, passo em revista a cena da entrada e concluo que o meu sucesso se ficou a dever: 1) à silenciosa retribuição do cumprimento, 2) a um certo ar de quem não estava a "perceber a mensagem" e 3) à recusa de abrandar a marcha em direcção ao interior da cafetaria. Bem, posso estar a atirar ao lado mas o certo é que, depois disso, os dois porteiros de luxo sairam-me da frente. Queria procurar outras explicações para esse "não incidente" mas fica para depois porque o tempo não parou. Parece que por aqui só parou o serviço. Contado ninguém acredita. Mas eu conto na mesma. A 2 metros de mim, sim, a 2 metros de mim, estão 8 (oito!) funcionários da cafetaria, todos juntos, a conversar uns com os outros. Não sei no que lhes deu. O cliente entra, senta-se à mesa, olha para cada um deles com aquele ar de quem implora a um santo e nada. Parece que o empregado que me calha é aquele que está ali há mais de uma eternidade a "dar uma aula" sobre o fornecedor de determinado yogurte (estou a ouvir a conversa, mesmo sem querer) a uma jovem que lhe agradece cada resposta com mais duas perguntas. A coisa está para lavar e durar. Volto a olhar para o "monte" de funcionários aqui mesmo à minha frente, tento adivinhar qual deles será mais receptivo ao meu SOS mas é difícil porque quase todos me voltam as costas. Apenas um deles ousa olhar na minha direcção. Levanto imediatamente o braço mas o homem finge-se de morto e retoma o paleio com os colegas. Estou frito. Parece um filme. Estou aqui há 10 minutos sem ser atendido e com 8 (oito!) funcionários do El Corte Inglés à minha frente em amena cavaqueira. A empresa afirma ter gasto 15 milhões de euros em formação do pessoal. Ninguém diria. Por exemplo, nesta altura, lá ao fundo, anda ali um senhor de fato acinzentado com as mãos atrás das costas passeando para cá e para lá. Tem ar de supervisor. Mas, pelos vistos, precisa é de quem o supervisione a ele. E cá vai o meu diagnóstico: muita formação mas pouca ou nenhuma exigência, é o que é. Entretanto, precisamente aquele empregado que há pouco fingiu nao ter visto o meu sinal, vá-se lá saber porquê, veio agora mesmo atender-me. Reclamei. Deu-me toda a razão (vá lá...). Pediu desculpa por ele e pelos colegas. E acelerou o serviço. Amoleci. Afinal, embora tarde e a más horas, o homem acabava de me matar a sede num dia de calor infernal. Ora, à boa maneira portuguesa, tudo está bem quando acaba bem. Além de que sou um vizinho compreensivo...

29 maio 2006

Um espanto


Entre o Porto e Gaia: a ponte D. Luis, ontem à noite, fotografada por TAF.


28 maio 2006

Excerto de um livro não anunciado (317)

Não pode, pois, o orador guiar-se apenas pelos dois polos extremos da adesão ou da não adesão. Tem que procurar descortinar na reacção do auditório se a não adesão significa nenhuma persuasão ou persuasão parcial e, no caso desta última, estimar ainda o respectivo grau ou intensidade. Se os efeitos da persuasão não se concretizam imediatamente, avaliar da possibilidade e interesse duma eventual manifestação diferida. Se a persuasão não é observável ou visível - maxime no caso de total silêncio do interlocutor - inferir dos elementos não verbais todos os indícios que possam legitimar uma conclusão, ainda que hipotética. É neste ponto que a distinção da persuasão acima referida, com base na extensão, no tempo e na visibilidade com que se manifesta, pode revelar-se especialmente útil para o orientar, em cada fase do processo argumentativo, sobre a direcção a seguir e principalmente, sobre a necessidade ou não necessidade de aduzir mais argumentos.

Bem comparado

A promessa é o poder da política, o anúncio de medidas que não se concretizam é o abuso de poder.

Manuel Falcão, A Esquina do Rio, 20 Maio 2006

Excelente esta retórica da comparação que torna o argumento do abuso do poder ainda mais persuasivo e convincente.

27 maio 2006

O princípio da honestidade jornalística

e claro que o jornalismo pode ser manipulador na dupla acepção do termo. aliás é sempre, também, distorção. porque fazer jornalismo é construir uma visão a partir de parcelas. parcelas de observação, directa ou não, parcelas de discurso de outros (e a parcela que se escolhe implica sempre o silenciamento das outras), parcelas de informação pré-existente. é na honestidade colocada na construção dessa visão que reside a distinção entre a distorção 'benigna' e a outra.

Fernanda Câncio, Glória Fácil, 26 Maio 2006


A favor:

Sim, jornalismo não é apenas o relato dos puros factos, é também o “construir de um visão” a partir do que observa e/ou recolhe (sem que daí forçosamente resulte uma conclusão subjectivista-relativista do género do “tudo é subjectivo” ou “tudo vale o mesmo”).

Contra:

Não, não é a honestidade do jornalista que opera ou garante a “distinção entre a distorção ‘benigna’ e a outra”. Um mau jornalista pode perfeitamente ser um jornalista honesto. Um jornalista desonesto nunca seria um bom jornalista. Sendo que, do ponto de vista do interesse do leitor, é muito mais importante a objectividade do jornalista do que a sua honestidade. Já me explico. A falta de objectividade jornalística é, por inerência, do domínio do visível, logo, facilmente denunciável. Basta atentar se aquilo que o jornalista diz é ou não passível de verificação, quer ao nível dos factos, quer ao nível do raciocínio seguido. Já a eventual desonestidade afirma-se como propósito interno e dissimulado. Dependendo, embora, da competência performativa do seu “autor-actor” ela é, regra geral, indetectável, ao menos, naquela primeira leitura que não raras vezes acaba por ser também a única. É por isso que, para o leitor, é tão importante conhecer os factos como ficar a par das circunstâncias e das regras que ditaram o seu jornalístico apuramento. A honestidade do jornalista é uma exigência ética que funciona ou deveria funcionar, digamos assim, como pré-condição do seu exercício profissional. Mas só há jornalismo, propriamente dito, a partir daí. Porque a honestidade jornalística é um princípio. Não um fim.

26 maio 2006

Excerto de um livro não anunciado (316)

Daí que a tarefa de persuadir nunca possa ser dissociada da maior ou menor habilidade para antever a reacção do outro, nem da perspicácia com que se avalia o efeito produzido. “O processo argumentativo é sempre realizado no concreto, nesta ou naquela situação, perante este ou aquele auditório, sendo impossível, a priori, definir as estratégias que vão ser efectivamente eficazes, ou saber antecipadamente que argumentos usar, como utilizá-los, como dispô-los, qual o momento certo para o fazer e que resultados se irão obter. A argumentação remete para o contexto e só este pode fornecer, caso a caso, as pistas que guiarão no desenrolar do processo argumentativo” (*). Por outras palavras, nenhuma estratégia de persuasão pode escapar a uma certa margem de imprevisibilidade e de risco.

(*) Rui Grácio, (1998), Consequências da retórica, Coimbra: Pé de Página Editores, p. 78

25 maio 2006

Off the record

"Na última eleição legislativa, em Fevereiro de 2005, o governo foi disputado por dois partidos, um dos quais dizia que os 'sacrifícios' tinham acabado, e o outro que nunca tinham sido necessários. Os actuais governantes, quando se tratou de serem votados pelos portugueses, não falaram no encerramento de escolas e maternidades, nem sequer de uma reforma da Segurança Social durante esta legislatura (...). Os admiradores dos actuais ministros dizem-nos, off the record, que foi preciso ser assim: se tivessem dito a verdade, não teriam sido eleitos."

Rui Ramos, Público, 24 Maio 2006

Olha que admiração.

Um código de ética para os menos sérios?

Venha o código de ética “um código de conduta que impeça os menos sérios ou os mais desatinados entre as empresas de conselho em comunicação de fazerem promessas que não podem cumprir e que são eticamente reprováveis” – proclamava Luis Paixão Martins, em artigo publicado ontem no Público.

Mas esperem lá. Desde quando é que um código de ética evitou que os menos sérios continuassem a praticar actos eticamente reprováveis? Sim, desde quando? Deontológica, teleológica ou fenomenológica, pouco importa, a ética emerge do foro íntimo e determina uma atitude ou pensamento próprio, na relação com o outro. Hume disse um dia que “nada é mais livre que a imaginação humana”. O mesmo se poderia afirmar do pensamento. Na prática, todos têm o seu quadro axiológico, todos se reclamam dos mais nobres princípios, todos formam uma ideia de “bem”. Mas há essa coisa das limitações da espécie. O “bem” pode adequar-se melhor ao próprio do que aos outros, ofendê-los até. Daí que, em caso de atropelo ou abuso, a comunidade reaja, censurando e punindo, com os meios legais que tem ao seu alcance. Uma coisa é certa: já de nada adiantaria recorrer à ética, pois o abuso é a melhor prova de que a dita não funcionou.


Pelo desenvolvimento do seu artigo, aliás, muito esclarecedor e informativo, vê-se que Luis Paixão Martins está bem por dentro do panorama actual das chamadas “agências de comunicação” que, algo eufemisticamente, insiste em designar como “empresas de conselho em comunicação”. Mas a confirmarem-se as práticas repugnantes a que alude, ainda que em registo hipotético, tudo o que há a dizer é que se impõe regular especificamente a actividade destas “agências de comunicação” e assegurar uma fiscalização eficaz. Isso, sim, calará a boca a quem ainda não viu na proposta do código de ética mais do que um mero expediente para retardar o respectivo enquadramento legal…

23 maio 2006

O sonho de uma mulher

(...) há já alguns dias que faço o IC19 para lá e para cá ao som, mas sobretu­do à letra, de uma única música do último disco de Rui Ve­loso - "Recado a Rosana Arquete". Nem sei muito bem quem a dita Rosana é, mas o que importa é que é actriz, e bonita, daquelas que os homens queriam ter em calendário na por­ta da garagem. Os homens todos não! O herói desta história está tão apaixonado pelo "seu amor" de carne e osso, que quan­do vai ao cinema ver a dita Rosana no grande ecrã, em lu­gar de se deslumbrar dá logo pelo "embuste". É que a sujeita comete um plágio, rouba o andar da namorada dele: "Ve­jam como ela se esforça por imitar o meu amor, vejam como não disfarça nem o mínimo pudor." A pobre da Rosana dá o seu melhor, reconhece-o, mas conclui que, "por muito que ela cultive essas poses e esses ares, é visível que não lhe che­ga,nem sequer aos calcanhares" Tem pinta não tem? Imaginar uma criatura que em lugar de ficar hipnotizada pela es­trela principal a considera apenas um pálido reflexo da sua "estrela". É mesmo o SONHO de qualquer mulher, suspeito eu. Mas o herói de Carlos Tê não se limita a constatar o roubo, está disposto a agir. Em lugar de encolher os ombros, amea­ça a vedeta: "Vou acusar-te de plágio, vou meter-te, um pro­cesso, o andar do meu amor paga direitos de autor." Única de­silusão: o nome, a morada e o número de telefone deste ra­paz pronto a ir a tribunal para fazer valer a honra da sua amada não vem no livrinho anexo. E, pensando bem, não valia de nada: o que seria o nosso andar ao lado do dela...

Isabel Stilwell, Notícias Magazine, 21 Maio 2006


E agora, toca a comprar o CD...

Prof. Marcelo "derrota" Sócrates

Marcelo Rebelo de Sousa, que continua naquele afã de classificar os políticos como se fossem seus alunos, dá 15 valores a José Sócrates e 16 a Marques Mendes, em função do que um e outro fizeram durante o primeiro ano de mandato.

Sinceramente, não sei como e onde é que o professor Marcelo conseguiu descobrir na “prova” de Marques Mendes “respostas” que justificassem nota tão elevada. Porque, manda a verdade reconhecer que Sócrates, desde que assumiu o poder, tem seguido sempre em frente, sem ninguém a barrar-lhe o caminho. Faz o que quer e sobra-lhe tempo.

Já Mendes limita-se a seguir-lhe os passos, propondo aqui e ali pequenos (e insignificantes) desvios, mas nunca uma verdadeira alteração de rumo. Chega a dar a sensação de que fala apenas para fazer prova de vida, para lembrar que ainda existe e não tanto para escrutinar rigorosamente a acção do governo ou para o forçar a governar melhor, como deveria. Direi mesmo que há muito que não se via um Primeiro Ministro e um Governo de Portugal desfrutar de oposição (?) tão macia e complacente, para não dizer, adormecida.

Durante o ano de exercício que agora findou, Mendes pareceu sempre político-dependente de Sócrates. Respeitou-lhe a agenda, brindou-o com uma série de banalidades, imitou-o, foi a seu reboque. Que o professor me releve mas recorrendo à sua própria terminologia, é caso para dizer que Sócrates, neste primeiro ano de funções governativas, deu uma “banhada” ao seu principal opositor. Se isso foi ou não positivo para o país, já é outra conversa.

Mas as coisas são como são. Atribuir melhor classificação a Marques Mendes do que a José Sócrates é que será o mesmo que dar uma nota mais alta ao aluno que copiou do que ao aluno que foi copiado. E isso é injusto. Mas não inédito.


22 maio 2006

Excerto de um livro não anunciado (315)

Esta aparente incapacidade da adesão se constituir como critério revelador de toda a acção persuasiva abre caminho para uma primeira tipologia da persuasão, em função dos efeitos produzidos: persuasão total e persuasão parcial, conforme o assentimento do auditório recaia sobre toda a proposta inicial ou apenas sobre uma parte da mesma; persuasão imediata e persuasão mediata, segundo os efeitos se manifestem logo na altura da argumentação ou somente em data posterior; persuasão objectiva e persuasão subjectiva, consoante se repercuta num comportamento público e observável ou se limite a meras (mas, por vezes, relevantes) modificações interiores aos sujeitos, predominantemente psicológicas. À luz desta classificação poderemos então dizer que a adesão perelmaniana surge como um importante indicador da persuasão total, imediata e objectiva, mas já o mesmo não acontece no tocante à persuasão parcial, mediata e subjectiva, onde se mostra praticamente inoperante ou mesmo inaplicável.

20 maio 2006

Cuidar dos amigos

Saudação especial para o Paulo Cunha Porto pela passagem do 1.º aniversário do seu Misantropo Enjaulado, um blogue que, mau grado as naturais hesitações do passado, tem uma longa vida à sua frente. E ainda bem. Antes de tudo, porque o Paulo tem a extraordinária virtude de já se apresentar como é. Compreensivo e atento ao (texto e à sensibilidade do) outro, louva-lhe, desde logo, os méritos com uma minúcia que nunca ou raramente estende às inevitáveis falhas. Mas, sobretudo, porque o Paulo faz uma coisa que, infelizmente, há muito parece ter passado de moda: cuida dos seus amigos. Quem não gostaria de ter um amigo assim?

Pistas para saber mais

O Almocreve das Petas completou 3 anos e nele continuo a encontrar judiciosas pistas para saber mais. Já não sei, por isso, quanto devo ao masson. Só sei que estou devedor. Obrigado e parabéns.

19 maio 2006

Excerto de um livro não anunciado (314)

Um bom exemplo talvez seja o caso do vendedor que no final da entrevista com o cliente, verifica que a sua argumentação não produziu neste último o efeito esperado: levá-lo à decisão da compra. Isso não significa porém que nenhum efeito persuasivo tenha tido lugar. No decorrer da entrevista, ambos os interlocutores, vendedor e cliente, terão certamente trocado ideias e pontos de vista, que, enriquecendo o seu conhecimento mútuo, tendem a deixar marcas persuasivas mais ou menos estáveis. E são essas marcas persuasivas que uma vez recuperadas pelo vendedor na próxima visita ao mesmo cliente, podem vir a ser decisivas, dessa vez, para se fechar negócio.

18 maio 2006

Mais uma consumição


A felicidade bateu-me à porta. Ou melhor, à janela do gabinete de trabalho, de onde passei a ter esta idílica visão. A partir de agora, a bem dizer, basta-me atravessar a rua para conviver dia-a-dia com as mais incríveis maravilhas do consumo. E não... não vou perder esta soberana oportunidade de passar de consumido a consumidor.


PS- Garanto que o edifício é muito mais bonito e imponente do que nesta cinzentona foto aparenta.

17 maio 2006

Esta foi mesmo ao lado

Ontem à noite, em entrevista ao Rádio Clube:

Luis Osório:
Então e quando é que o Pacheco Pereira pensa voltar à vida política?

Pacheco Pereira:
Mas eu não me retirei da vida política...

16 maio 2006

Excerto de um livro não anunciado (313)

É o abandono da rigidez dicotómica orador-auditório, no quadro da qual, erradamente, se tende para cometer a função de persuadir ao orador e reservar para o auditório apenas a liberdade de se deixar persuadir ou não, em favor de uma concepção retórica ou persuasiva onde o regime de livre alternância da palavra faz de todos os interlocutores potenciais persuasores e persuadidos. O objectivo da argumentação é agora chegar à solução que se revele mais adequada, quer esta coincida com a proposta inicialmente apresentada, quer se fique a dever aos posteriores desenvolvimentos trazidos pela respectiva discussão. A adesão pode assim manter-se como critério de eficácia de uma dada argumentação, na medida em que determina se se (todos) os efeitos pretendidos foram atingidos ou não, mas já não apresenta a mesma fiabilidade como indicador de persuasão. Basta pensar nas inúmeras situações em que o orador persuade o auditório apenas parcialmente ou num grau de intensidade que se revela insuficiente para levar a adesão.

14 maio 2006

A mãozinha de Nicolau

Ou é da minha vista ou Nicolau Santos gasta mais de meia página do Expresso deste fim de semana a "dar uma mãozinha" ao Governo.

A coisa torna-se especialmente notada no título "O Portugal que está a fazer muito e bem" e também na afirmação em destaque: "Há um Portugal de sucesso que existe, se afirma e que é preciso divulgar". Não se percebe muito bem sobre quem recairá esta necessidade de divulgar mas supõe-se que seja sobre os jornalistas, a avaliar pelo modo como Nicolau agarra a causa e se vale de avulsos exemplos de empresas de sucesso para, digamos assim, nos confortar da terrível previsão de que Portugal pode vir a ser o país mais pobre da União Europeia em 2050. Só que tudo tem limites. Quando afirma "Quem souber ler, verá aqui boas oportunidades e uma imagem de qualidade do país que se começa a consolidar em algumas áreas" Nicolau Santos mais parece um membro do Governo a tentar motivar as massas do que um credenciado jornalista a dar conta de uma dada realidade. E mais não digo.

Quer dizer, digo. Digo que ainda na mesma página, o conhecido especialista de Economia e Negócios volta a ligar o pisca-pisca para o Governo quando sem mais para o quê, desata a desculpá-lo pelo clamoroso falhanço do projecto de construção da nova refinaria de Sines. O que faz com inegável arte: "Não é fácil um Governo ter em mãos um potencial grande investimento de 6.000 milhões de euros, anunciá-lo com pompa e circunstância - e depois deixá-lo cair. E não é fácil porque isso significa que o Governo se enganou (ou foi enganado) na avaliação que fez do projecto e do interesse que ele teria para a economia. (...) Foi isso que aconteceu (...) quando o Governo se apercebeu de que o risco do investimento e os custos de funcionamento estavam a passar rapidamente da esfera privada para o lado público. O ministro da Economia esteve, pois, muito bem ao "matar" elegantemente o projecto (...). Ou seja: foi tudo muito natural, não há que responsabilizar ninguém, foi uma chatice mas são coisas que acontecem... pronto. Perante isto, só me pergunto onde é que Sócrates andará com a cabeça? A que melhor e mais empenhado porta-voz para os assuntos economicos poderia aspirar?

Só para dizer

que este post está o máximo. Ou ando alguma coisita distraído ou há muito que a Carla não acordava assim...

Pérolas da web


A Web é mesmo uma caixinha de surpresas. Estava no Google a procurar lá pelas Américas uma informação altamente técnica quando, de repente, descobri esta divertida acta de uma das sessões da Assembleia Municipal de Évora. Uma delícia. Não sei se a qualidade de ex-autarca me leva a algum exagero avaliativo, mas a verdade é que considero o breve excerto que a seguir vos deixo, entre os mais garridos exemplos da portugalidade política contemporânea:


"
ACTA DA SESSÃO ORDINÁRIA DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL DE ÉVORA EFECTUADA NOS DIAS 25 E 28 DE SETEMBRO DE 2004

(…)

Transitou-se de imediato para a 4ª moção, denominada «Congratulação pelo novo Presidente da Comissão Europeia», cujo signatário foi convidado pelo Sr. Presidente a descrevê-la.

O Sr. Palma Rita leu o documento na íntegra, o qual termina assim: «......Propõe-se um voto de congratulação pelo novo executivo comunitário e, em particular, pelo Presidente da Comissão Europeia, cujo nome todos conhecemos: Durão Barroso». A moção fica anexa a esta acta, a ela ficando a pertencer.

“Eu voto contra! Não sinto honra alguma em estar um português a presidir à União Europeia chamado José Manuel Durão Barroso. E porquê? Ele é o homem dos americanos. Ele é o homem que nos meteu na guerra do Iraque. Ele é o homem que defende o ultraliberalismo económico. Ele é o homem que, enquanto governante português, desprezou totalmente o estado social em benefício dos grandes grupos económicos e, pelo que se sabe, pretende transformar a União Europeia num exemplar semelhante ao que deixou em Portugal. Esperemos e façamos votos para que caia depressa, nem que seja substituído por um turco ou um chinês”, exprimiu o Sr. José Cardoso posteriormente.

“Eu também quero dizer que voto contra esta moção, por algumas das razões que o J. Cardoso apresentou e sobretudo porque ainda não esqueci aquilo que eu considero um acto de quase traição ao povo português, que foi a maneira como ele abandonou o governo deste país”, observou o Sr. Acácio Alferes seguidamente.

O Sr. José Russo declarou:
“Fiquei sensibilizado com a intervenção do Sr. J. Cardoso, por que ela traduziu rigorosamente aquilo que é o meu pensamento, pelo que eu também votarei contra esta proposta”.

Por sua vez, o Sr. Jorge Lourido afirmou: “A minha posição é semelhante à dos três oradores antecedentes. O que me parece importante nestas questões não é ter nascido em Freixo de Espada à Cinta ou em Alguidares de Baixo, são as políticas, as ideias e as práticas que podem aferir da valoração positiva ou negativa que cada um faça em relação a essas actuações. De facto, o Dr. Durão Barroso é uma pessoa de má memória para o país e é por isso que nós iremos votar contra esta moção”.

Retorquindo ao apontamento do Sr. A. Alferes, o Sr. Palma Rita asseverou: “Ainda bem que esta Assembleia Municipal não estava constituída quando o Sr. Eng.º António Guterres abandonou o Governo, porque senão teríamos que ter votado um voto de pesar”. "
(…)


Viva Portugal.

12 maio 2006

Notícias fora de tempo

Está tudo tão rápido e efémero que a própria actualidade não é. Foi.

Excerto de um livro não anunciado (312)

O mínimo que se pode dizer é que este conjunto de questões parece pôr em crise a operacionalidade do conceito de adesão para determinar a eficácia do discurso persuasivo. Mas, por outro lado, ao dizê-lo, corremos provavelmente o risco de estar também a traçar um quadro demasiado negro para a adesão perelmaniana. É que tudo depende do particular entendimento que tivermos do acto retórico ou persuasivo. Para os que o pensam em termos de competição entre dois adversários (orador e auditório), na disputa de um troféu a que só o vencedor tem direito, naturalmente que a rejeição de uma proposta ou solução inicial e até mesmo uma adesão meramente parcial, sempre hão-de ter o sabor de uma derrota. É o caso de quem procura a todo o custo dominar um auditório para impor os seus pontos de vista como se estes fossem irrebatíveis, iluminados ou, numa palavra, intocáveis. Para estes, certamente que só a adesão total funciona como critério de persuasão. Mas para quem veja a situação argumentativa como um encontro de subjectividades, mútua e solidariamente empenhadas em avaliar ou construir a melhor solução possível para um problema ou questão em aberto, sem abdicar do respeito pela liberdade de pensamento e expressão do outro e tendo sempre em conta a interrogatividade subjacente nas suas próprias respostas, qualquer que seja o resultado desse esforço conjunto, adesão total, rejeição ou adesão parcial às teses iniciais, será sempre um avanço positivo, o avanço possível na descoberta da melhor solução consensual. Para estes últimos, a adesão é sempre sinónimo de persuasão porque esta não é mais entendida como domínio de uma parte sobre a outra, mas sim como expressão da capacidade de acolher os melhores argumentos, independentemente destes últimos serem provenientes do orador ou do auditório.

10 maio 2006

Jornal sem jornalismo

"Não é um jornal de referência, não é um tablóide, nem uma revista" - foi assim que José António Saraiva anunciou há dias o seu novo semanário, o Sol. Ou seja: está aqui, está a fazer um jornal sem jornalismo.

E não se fala mais disso?

Há festa no Mar

Não sei se ainda chego a tempo da festa no Mar Salgado mas saúdo, desde já, toda a tripulação, com um grande abraço na pessoa do meu mui estimado amigo PC. Parabéns pelo 3.º Aniversário.

09 maio 2006

Sem canalhice

A entrevista que Freitas do Amaral concedeu ao Expresso teve assinalável repercussão blogosférica e no essencial estou de acordo com o que foi dito, por exemplo, no Bloguítica, no Misantropo Enjaulado, no Glória Fácil, no Portugal dos Pequeninos e no Blogouve-se. Mas já não com o que o Prof. Vital Moreira afirma no seu Causa Nossa:

A manchete do Expresso sobre Freitas do Amaral é uma pequena canalhice jornalística: uma coisa é um ministro dizer que a sua agenda é fatigante, outra é dizer que está cansado do lugar.

É que:

1.
O título do Expresso não refere "cansado do" mas sim "cansado no".

2.
Foi Freitas quem disse à jornalista que chega ao fim do dia completamente estoirado (e não apenas cansado). O jornal (ao menos, desta vez) não inventou nem tão pouco especulou. O que se diria se o título tivesse sido, por exemplo, "Freitas estoirado no MNE"? E, não obstante, o conteúdo da entrevista permitia-o. Mas se era Freitas que estava a ser entrevistado, era também muito natural que as suas respostas traduzissem o esforço e o desgaste pessoal a que se sente sujeito. Até porque a pergunta da jornalista, à qual se encontrava a responder, não se orientava para a classificação da agenda do MNE - para onde o prof. Vital Moreira desviou a questão - mas tão somente para o eventual cansaço provocado pelas viagens (que não passam de um aspecto particular da agenda do MNE). É que a pergunta foi mesmo muito clara: "As constantes viagens, o "jet lag", o avião, são cansativos para si?" Para si, sublinhe-se. Tem mesmo que se ler. Está lá.

3.
Quando na parte final da entrevista Freitas admite que era e não era importante estar na função no segundo semestre de 2007 recorrendo, além disso, ao tempo condicional para responder com um "posso dizer-lhe que não seria mais importante do que várias outras coisas que fiz na vida", que espécie de interpretações torna legítimas? Ou, mais directamente: porque não respondeu, por exemplo, com um "posso dizer-lhe que não será mais importante"?

4.
Apesar de tudo, admito que o título, lido a correr, possa dar a ideia (falsa, presume-se) de que Freitas está cansado de ser ministro dos negócios estrangeiros. Nesse caso bastaria uma breve nota à imprensa a explicar o exacto sentido da expressão em vez da desproporcionada conferência de imprensa que, pelos vistos, só foi cancelada devido à esclarecida intervenção de Sócrates. O que em nenhum caso parece haver razão é para se classificar o título do Expresso como "canalhice jornalística". Mas compreendo que a proximidade política com o Governo em funções não favoreça em nada a avaliação isenta de um dos seus mais emblemáticos ministros. Isso é natural
.

Excerto de um livro não anunciado (311)

Critérios, tipologias e mecanismos da persuasão

Se o principal traço distintivo da comunicação persuasiva é o de visar a produção deliberada de certos efeitos previamente definidos, a primeira coisa de que precisamos para avaliar a sua eficácia é de um critério que nos permita determinar se tais efeitos ocorreram ou não. Para Perelman, esse critério, é, como já vimos, a adesão do auditório. Se este aderiu às teses que lhe foram apresentadas, a persuasão funcionou. Se as rejeitou ou se se manteve em silêncio, é porque a argumentação falhou o seu principal objectivo que é o de persuadir. Parece-nos, contudo, que esta maneira de olhar a persuasão é demasiado linear, algo simplista e por isso mesmo, insuficiente para nos dar conta da verdadeira natureza, extensão ou intensidade dos efeitos persuasivos, já que deixa por esclarecer o que é ou em que consiste o acto de aderir. Será um assentimento total ou parcial? Se a concordância do auditório incidir apenas sobre uma parte da tese poder-se-á afirmar que não houve persuasão? E quanto ao conteúdo da proposta, os efeitos persuasivos terão sido os mesmos quer quando respeitem à proposta inicial do orador quer quando obtidos apenas por uma versão final enriquecida (logo, alterada...) pelas sugestões do auditório? Finalmente, imaginemos um caso extremo em que não se verifique a respectiva adesão. Ainda assim, fará sentido afirmar que nenhuma persuasão teve lugar?

Vitória de Pirro


O Zé ganhou na Batalha mas perdeu a guerra

Alberto Gonçalves, Correio da Manhã, 08 Maio 2006


Mais uma vitória como esta e o meu reino estará perdido - terá dito o rei Pirro, de Épiro (actual Albânia) no ano de 279 AC, quando percebeu que a vitória sobre o poderoso exército romano, na batalha de Asculum (perto de Roma) lhe tinha custado a perda de tantos oficiais e soldados. O exemplo de Pirro ficou para a História, atravessou os tempos, correu mundo. Mas de uma coisa podemos ter a certeza: pela Batalha não passou.

Expressiva

Muito expressiva a conclusão a que chegou Ribeiro e Castro: a de que ganhou com uma vitória expressiva. Não admira que (a conclusão) se tenha tornado mais notícia do que a própria vitória...

Excerto de um livro não anunciado (310)

Em coerência com a linha de raciocínio que seguimos até aqui, é então chegado o momento de propor um novo entendimento da persuasão discursiva, com base no alargamento do conceito de argumentação. E a hipótese que formulamos é a seguinte: a argumentação (ou retórica) - enquanto processo discursivo de influência - deita mão de todos os recursos persuasivos disponíveis, e o raciocínio lógico ou quase lógico, a sugestão e até a sedução, não são senão diferentes e interligados modos dela se manifestar.

Testar esta hipótese e ao mesmo tempo indagar sobre o que pode levar alguém a modificar a sua opinião inicial, são os dois principais objectivos da incursão que a partir de agora faremos aos domínios da persuasão e da própria hipnose.

08 maio 2006

Razões para festejar

Ninguém tem mais razões para festejar os três anos do Abrupto, do que os seus leitores. Parabéns a Pacheco Pereira.

Jornalismo online em Portugal

Em entrevista ao Público de ontem, João Canavilhas, professor e investigador da UBI na área do jornalismo online, "reconhece que o jornalismo digital em Portugal tem conhecido um progresso e que a perspectiva é muito positiva" mesmo se, por agora, continua "colado" a um jornalismo de agência. Referência obrigatória para este seu estudo com base na realização de inquéritos a cerca de 50 jornalistas online.

07 maio 2006

Reforma contra a Justiça?

No Público de hoje, o advogado Francisco Teixeira da Mota alerta-nos:

Vem aí uma alteração legislativa, a chamada regra da "dupla conforme" que determina que uma decisão da 1.ª instância que seja confirmada pelo Tribunal da Relação já não pode ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal (ainda que seja absurda).

O conhecido advogado (ressalvando embora o facto de não se conhecer ainda o texto aprovado em Conselho de Ministros) chama a atenção para o incomensurável empobrecimento que tal alteração irá causar na nossa paisagem jurídica e cultural e ilustra-o com um processo judicial que teve o seu desfecho no passado mês de Fevereiro, cujos traços muito gerais foram os seguintes:

Uma dada empresa farmacêutica (com autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados) instalou câmaras de filmar/vídeo por todo o armazém e distribuiu monitores "por todos os cantos" das instalações.

Discordando, o Sindicato dos Trabalhadores de Química, Farmacêutica e Gás do Centro Sul e Ilhas "intentou uma acção judicial pedindo que a empresa farmacêutica fosse condenada a retirar as máquinas de filmar dos locais de trabalho onde os empregados exerciam as suas funções, cuja actividade era assim permanentemente vigiada, com violação dos seus direitos de imagem, consagrados na Constituição e na lei ordinária".

Na 1.ª instância, O Sindicatro perdeu a acção mas recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa.

O Tribunal da Relação confirmou a decisão de 1.ª instância mas o Sindicato recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

O Supremo Tribunal de Justiça revogou a decisão do Tribunal da Relação e ordenou a retirada das câmaras de vídeo, considerando, nomeadamente, que a medida da empresa consistia numa "intolerável intromissão na reserva privada, na sua vertente de direito à imagem" dos trabalhadores
.

Eis um desfecho que não seria possível se a "dupla conforme" já estivesse em vigor, pois nesse caso o Sindicato teria que ter acatado a condenação confirmada no Tribunal da Relação. A questão é esta: sabendo-se que não é nos tribunais superiores que os processos se arrastam mas sim nos tribunais de 1.ª instância, como bem lembra Francisco Teixeira da Mota, o que terá levado o Governo a reduzir tão drasticamente as garantias jurídicas e judiciais do cidadão?


A pergunta fatal


"Freitas cansado no MNE" (*) é um excelente título. Porquê? Porque é uma frase curta, apelativa e está em conformidade com o conteúdo da entrevista, ao contrário do que referem o entrevistado e o próprio Primeiro Ministro. O desmentido destes últimos, aliás, não passará de uma derradeira tentativa de defender ou preservar ainda interesses igualmente meritórios mas que não coincidem com os da objectividade jornalística.

O ministro não se declarou cansado? Não especificou que o cansaço lhe advém das viagens e, mais ainda, dos seus dias inteiros de trabalho no Ministério? Não quer isso dizer que temos um ministro cansado no MNE? Afinal, onde é que o jornal extrapolou? (Atente-se que o título é "Freitas cansado no MNE" e não "Freitas cansado do MNE").


Mário Mesquita escreve hoje no Público que o Expresso insinuou "nas entrelinhas de um título de primeira página" a eventual saída de Freitas do Governo. Mas com o devido respeito a tão notável cronista (e que é muito), se alguma insinuação existiu (e admito que sim) ela partiu das próprias declarações do ministro e não do jornalista ou do jornal. Claro que é bem possível que um ou outro órgão de informação se tenha excedido ao interpretar a notícia e o próprio título do Expresso, mas isso é, seguramente, um outro assunto.

O mais curioso é que tanto Freitas como Sócrates se queixem do título e da síntese da primeira página, mas já não do corpo da entrevista que no comunicado do primeiro chega a ser classificada como uma entrevista leal e franca. E isto porque, se virmos bem, toda a polémica foi despoletada por Cândida Pinto quando, no decorrer da entrevista (**), brindou Freitas do Amaral com uma pergunta de antologia:

Era importante para si estar nesta função durante a Presidência de Portugal na União Europeia, no segundo semestre de 2007?

Do ponto de vista da jornalista, ela não tem dúvida de que é notícia ficar a saber se o próprio Freitas admite vir a sair a curto prazo do Governo. Mas está perante um entrevistado de gabarito, com enorme traquejo político, que jamais lhe responderia directamente. Cândida Pinto tenta então (e com o sucesso que se viu) uma pergunta indirecta e cheia de "arte". Uma pergunta que parece veicular mais curiosidade pelo estado de alma que invadiria Freitas no caso de não se manter em funções, do que pela própria situação política objectiva. Foi aqui que o ministro "escorregou", respondendo o que lhe ia no pensamento, sem cuidar que enquanto se pronunciasse sobre o que era ou não importante para si mesmo, fatalmente "deixaria cair", mesmo sem o desejar, alguma informação de interesse geral para o país. E foi o que foi:

A minha resposta para ser muito sincero é: sim e não. Sim, porque a Presidência da União Europeia é sempre uma experiência extraordinariamente enriquecedora, embora cansativa.(...)

Ora ao responder a uma pergunta destas, Freitas do Amaral está, desde logo, a admitir a possibilidade de já não ser MNE daqui a um ano. Só não revela o(s) motivos(s). Logo, a pergunta não poderia ter sido mais oportuna. Por outro lado, quando alude, de novo, ao cansaço, depois de já se ter queixado das viagens cansativas, dos problemas de coluna e de chegar ao fim do dia "completamente estoirado", Freitas do Amaral não só dá a entender que está "cansado no MNE" (título do Expresso) como até antecipa uma inequívoca conformação perante a hipótese de não vir a presidir à União Europeia: "Já estou na vida política há 32 anos, já fiz praticamente tudo aquilo que se pode fazer". Que mais precisaríamos de saber?

(*) Expresso, 06 Maio 2006
(**) Revista "Única", Expresso, 06 Maio 2006


06 maio 2006

Filosofia do debate

Ao recusarmos o debate com os que não pensam como nós, estamos fatalmente a aceitar uma versão mais pobre do nosso próprio pensamento.

Rui Ramos, Público, 03 Maio 2006

Sabotagem argumentativa

Quem teme que as suas teses não resistam à controvérsia precisa de acreditar que só perversos ou idiotas podem pensar de outra maneira.

Rui Ramos, Publico, 03 Maio 2006

Rótulos perversos

Já era costume acusar José Sócrates de ser "de direita", por ter reconhecido que, um dia, poderá não haver dinheiro para a Segurança Social. Agora, foi a vez de Cavaco Silva ficar com a fama de discursar à "esquerda", porque mostrou "sensibilidade social". Eis um país onde as divisões políticas são aparentemente concebidas de um modo singelo: para ser de direita, basta fazer contas; para ser de esquerda, basta mencionar os "excluídos" (bold meu)

Rui Ramos, Público, 3 Maio 2006

Se não é, parece.

04 maio 2006

Excerto de um livro não anunciado (309)

Deste entendimento da persuasão pode, por isso, dizer-se que corresponde a um descentramento dos elementos puramente intelectuais em favor de uma concepção de racionalidade não só mais abrangente como também mais humana, na justa medida em que radica na inquestionável unidade do pensar e do sentir. E se a razão é indissociável da sensibilidade, então, afastar da argumentação, o bem estar, o agrado, a sugestão e a sedução ou encantamento, só poderia redundar num exercício de purismo tão artificial como o de passar a beber água destilada às refeições. Corresponderia, além disso, a uma excessiva idealização dos factos retóricos ou argumentativos, susceptível de nos conduzir para uma argumentação que nunca existiu, que não existe e que, tudo leva a crer, nunca existirá.

03 maio 2006

Ameaças à lei da imprensa

Gostei de ler no JN de hoje que Manuel Pinto considera ter sido o assalto ao "24 horas" o maior atentado à liberdade de imprensa em Portugal, nos últimos 12 meses, mas não menos importante foi o ter chamado a atenção, agora no seu blogue, para este outro tipo de ameaças menos visíveis mas, talvez por isso, bem mais condicionantes:

"A outra realidade a que julgo ser de fazer referência e que, de forma silenciosa, mina a liberdade de imprensa consiste nas condições deploráveis que afectam o exercício do jornalismo. A precarização do trabalho profissional; a pressa em divulgar sem verificar ou amadurecer; o recurso a trabalho 'escravo'; a espectacularização da insignificância, a submissão do interesse público ao negócio ? são caminhos do jornalismo que deveriam merecer um 'choque' cívico e profissional, antes que esvaziem a liberdade de imprensa ou a tornem numa mera figura de retórica".

02 maio 2006

A Psicanálise vista por dentro

De todos os textos publicados na imprensa deste fim-de-semana a propósito dos 150 anos do nascimento de Freud, o meu destaque vai para o artigo da jornalista Alexandra Lucas Coelho, na "Pública" de ontem, e muito especialmente para o qualificado depoimento que recolheu de António Pinho Vargas, conhecido músico e professor universitário que, sabe-se agora, andou a deitar-se no divã 45 minutos de cada vez, várias vezes por semana, durante seis anos. É desse artigo que passo a transcrever algumas passagens (apenas os títulos são meus), por me parecerem excelentes contributos para uma mais lúcida compreensão da chamada retórica psicanalítica.


Mergulhar é difícil

"Era tratar coisas que me causavam sofrimento, mas nada que eu quisesse ocultar. Não considerei is­so um traço de menoridade." O facto de o psicanalista necessariamente já ter sido psicanalisado - requisito para o acesso à profissão - é fundamental. "Eles próprios já se colocaram naquele lugar. Não é: 'Eu sou o neurótico e ele o detentor da saúde', embora muitas vezes sejam esses os termos durante o diálogo. "Mas a ausência de embaraço, e o saber que o analista sentado por trás da sua cabeça (voz sem rosto, muitas vezes apenas "hum-hum") também já teve um analista sentado por trás da sua cabeça, não tornam mais fácil o mergulho." O início de uma análise é de extre­ma violência. Sei isso por mim e por amigos. Em quatro casos que conheço, as pessoas não aguentaram mais que dois meses, meio ano. Como eu já estava a fazer análise há certo tempo, vinham falar comigo. Por vezes, eu antecipava-­me e dizia: 'E então ele disse isto .. .''' Normalmente acertava.

A “técnica” do psicanalista

"A partir de certa altura, percebe-se o núcleo central daquele diálogo, daquela 'cura pela fala', que na verdade é um longo monólogo seguido de dois ou três comentários. Esses comentários é que têm uma técnica. O esfor­ço do analista consiste em trazer para a relação com o paciente - que é estranha, porque não nos vemos ­- aquilo que na vida de fora o incomoda. Tudo se transforma em conflito trazido para a análise. Às vezes a maneira co­mo isso é feito parece forçada, ridícula, e, a partir de certa altura, previsível." A própria dúvida em relação ao que se está a fazer é integrada. "Interpretam­-na como resistência." Para Pinho Vargas este período foi um "combate psicológico", de acordo com o que será desejo dos analistas. "A pessoa é forçada a olhar para as partes mais feias de si, a que eles chamam 'do­entes'".

Pensar algo que até aí não tinha sido pensado

"Eles [os psicanalistas] tentam estabelecer um combate interno entre partes 'saudáveis' e partes 'doentes'. Isso provoca sofri­mento. Mas também pensamento, que é o que eles pretendem. Por isso usam muito a palavra elaborar. A pessoa tem que fazer um esforço para compreender algo da sua vida ou da relação com o ex­terior, pensar algo que até aí não tinha sido pensado."Por exemplo: "O mo­mento em que senti qualquer coisa que censurei fortemente. Esse pensamento que recalcamos é trazido e elaboramos sobre a sua razão de ser."

Valerá a pena?

"Vejo a minha expe­riência de forma positiva, mas não quer dizer que tenha uma visão globalmente positiva da análise. É um conjunto de procedimentos que se aplica a seja quem for. A mim fez bem, ajudou-me a pensar, mas quando se aplica uma técnica sempre igual o lado positivo reside no paciente. Na minha análise aconteceram problemas que interpre­tei como rigidez da analista. Deram discussão violenta, com respostas dela como: 'Você põe-me a saltar da cadeira!' Eu dizia-lhe: 'No seu caso já tinha deixado esta profissão!', o que é um ataque ferocíssimo. E o vice-versa era ferocíssimo." Pinho Vargas dissuadiu, então, alguns conhecidos - por terem "uma fragilidade que não ia aguentar", ou porque "o problema era demasiado complexo e aquilo ia fazer pior" - de experimentarem.

Sem saída

"O que acontece dentro [de uma análise] é que uma pessoa se sente sem saída. Se digo que estou com sono ou me atrasei no trânsito isso po­de ser psicanalisado. Então começa-se a perceber que o melhor é entrar na as­sociação livre dos sonhos, que, sendo uma construção do inconsciente, são material propício. As melhores sessões eram aquelas em que eu levava um so­nho para contar."

Uma análise que nunca termina

E "demorou muito a compreender" que lhe cabia "pôr fim â coisa", ou seja, en­cerrar a análise. Pensou "uma ou duas vezes" na hipótese de repetir (outra análise, com outro analista) e concluiu que "não era necessário". Sendo que faz parte do que aprendeu saber que uma análise nunca termina. "Cada pessoa prossegue-a sozinha". E agora, seis anos depois de ter deixado as sessões, defende uma "lógica binocular" no confronto da psicanálise com as neurociêncías. Porque se os "médicos-médicos que confiam nos fár­macos e consideram a psicanálise uma aldrabice" são dogmáticos, também o são os psicanalistas que consideram a psicanálise como único meio para o fundo dos problemas. "Quando há um texto sagrado, e neste caso é Freud, cria-se um conjunto de exegetas que interpretam e reinterpretam e há uma ideia que cristaliza."


01 maio 2006

Estrela da manhã

Neste pachorrento feriado, deparei ao final da manhã com a doutora Edite Estrela, na TVI, a puxar o brilho ao feminismo, anunciando que já há estudos lá fora - na Alemanha, se bem me recordo - que demonstram que as empresas onde o responsável máximo é uma mulher são as que obtêm mais rendimento.

Creio, no entanto, que a legítima afirmação da mulher não deveria passar por estas habilidades argumentativas: primeiro, procura-se ilustrar "a tese que interessa" atirando para o ar estudos ou estatísticas sem a menor referência ou identificação (autoridade anónima); depois atribui-se às conclusões de tais estudos um carácter probatório que, de todo, não possuem ou, pelo menos, não é líquido que possuam (generalização precipitada). Além do mais, porque o facto das melhores empresas serem geridas pelas mulheres não afasta, por si só, a possibilidade de tal acontecer também com as piores...

Foi o que fez, esta manhã, a doutora Edite Estrela e, sim, não me parece que essa seja a maneira mais credível de persuadir à causa que defende.

A política do insulto

Segundo o JN de hoje:

Vai para mais de dois anos, o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio (PSD) acusou publicamente o seu antecessor Nuno Cardoso (PS) de lesar os interesses da autarquia, beneficiando a Imoloc (construtora), para além de ter afirmado que houve "má-fé" por parte do ex-autarca.

Nuno Cardoso, reagindo, apelidou Rui Rio de "mentiroso", "promíscuo completamente leviano e irresponsável" e imputou-lhe "comportamentos graves".

O caso subiu ao tribunal e o juiz, considerando que ambos violaram o direito ao bom nome, imagem, honra e consideração do adversário, condenou cada um dos políticos a pagar 15.000 euros ao outro e a anunciarem a sentença nos orgãos de informação.

Ora se cada um vai receber 15.000 euros do outro, isso quer dizer que os dois irão ficar com o mesmo dinheiro que tinham antes de se insultarem. Bom... sempre se poderá objectar que embora não haja aqui uma verdadeira privação patrimonial, a obrigatoriedade de publicar a sentença fará da reprovação ou censura do tribunal a mais indesejável das penas.

Mas, aqui entre nós, ainda acredita que a publicação de uma sentença destas pode fazer dois políticos pensarem duas vezes antes de se insultarem de novo? Eu também não.