27 novembro 2007

Escrita romanesca ameaçada?

João Paulo Sousa, no Da Literatura, lança um interessante debate sobre as possibilidades de sobrevivência da escrita romanesca, um tema que não deixa de tocar a retórica, seja como discurso, seja como forma de comunicação:

"Não sobra, assim, muito espaço ao romance para contar histórias, se quiser sobreviver, pois hoje são vários os meios mais eficazes de as contar. A sua concorrência com o cinema deveria ser percebida como a relação da pintura com a fotografia. O aparecimento desta última levou aquela a afastar­‑se dos propósitos de mimetizar o real visível, ao perceber que perderia sempre na comparação com o novo medium. O impressionismo foi o ponto de partida desse processo de dissociação, que teve na arte abstracta uma etapa decisiva. O que a escrita romanesca deve fazer, por seu turno, é tornar­‑se irreproduzível em qualquer outro medium. Apenas isso lhe garantirá a sobrevivência. Ora, a única maneira de o fazer consiste em investir por completo no que lhe específico, isto é, na escrita, nas palavras, produzindo objectos textuais cuja força irradie na íntegra da sua composição verbal."

A seguir com toda a atenção e interesse.


26 novembro 2007

Scolari: assim não


Por acaso vi, em directo, aquela cena eventualmente irritante em que Scolari abandonou a sala de imprensa só porque os jornalistas não lhe faziam as perguntas que mais desejava. Scolari ficou possesso quando percebeu que os jornalistas não estavam ali para lhe dar os parabéns, para lhe dizer que é o maior treinador do mundo, para lhe agradecer as vitórias que realmente tem conseguido para o futebol português. Naquela hora Scolari queria era festa, não queria perguntas. Queria falar dos resultados e não das sucessivas más exibições. Queria realçar o apuramento e não a tremideira que foram os últimos jogos, muito menos da sofrida incerteza que pairou até ao apito final no Dragão. Mas que não gostasse das perguntas dos jornalistas, ainda vá que não vá. O que é intolerável é que não tenha respeitado quem estava ali para fazer o seu trabalho e não propriamente para saltar com o treinador. Como igualmente intolerável começa a ser o facto de ninguém (da Federação) lhe exigir um comportamento minimamente desportivo e educado. Por mais competência que se lhe reconheça, por mais vitoriosa que seja a carreira da equipa, haja algum decoro e alguém que lhe diga cara a cara: assim não.

25 novembro 2007

"Sabe mais do que um miúdo de 10 anos?"

Foi deste popular concurso da RTP1 que Cavaco Silva me fez lembrar quando perguntou, ontem, em Gouveia:

O que é preciso fazer para que nasçam mais crianças em Portugal?

Porque, a esta, até um miúdo de 10 anos responderia. Ou não?

Coisas do outro mundo

Ministério Público "comunica" com falecidos. Só visto.

via
Câmara Corporativa

24 novembro 2007

O que é um discípulo?

Aluno ou discípulo é aquele que aprende, dizemos indistintamente sem que, regra geral, daí decorra qualquer entrave à boa comunicação. Mas quando o que está em causa, mais do que aludir ao objectivo/dever do aluno (ou discípulo) é a relação que se estabelece entre este e o seu professor (ou mestre) naturalmente que o dicionário já pouco pode ajudar. Discípulo poderá então muito bem ser o que o Professor Figueiredo Dias magistralmente definiu no Público de ontem:

"alguém que, inspirado no mestre, seguiu em diálogo com este, o seu próprio caminho"

23 novembro 2007

A metáfora humana


O homem pensa por metáforas - lembrou hoje o famoso médico Dr. Oz (do programa da Oprah) em entrevista à TVI.

É a marca de um grande comunicador que com uma só frase inscreve a retórica na nossa humana razão de ser.

22 novembro 2007

ASAE: que raio de inspecção?

João César das Neves, hoje, no Destak:

"No início de 2025 a ASAE - Autoridade de Segurança Alimentar e Económica - tomou o poder. Antes a sua influência era já enorme. Em 2024, fechou 40% dos restaurantes e lojas alimen­tares do País, apreendeu milhares de toneladas de produtos avariados (bons, mas fora de prazo) e prendeu miríades de em­presários. Mas no fim desse ano tomou totalmente o poder.

A maioria absoluta do Partido dos Consumidores nomeou como Primeiro-Ministro o presidente da ASAE. No programa do Go­verno ele prometia estender a actividade inspectiva a todos os domínios da sociedade.

O primeiro passo foi alargar a fiscalização com uma nova filoso­fia. Como se pode exigir qualidade alimentar sem qualidade educativa, médica, policial, etc.? Nas escolas, hospitais, esqua­dras, quartéis e outros serviços, a ASAE passou a vigiar todo o funcionamento das instituições. Foram detectadas milhões de contravenções, houve centenas de estabelecimentos encerra­dos e muitos responsáveis presos.

Numa segunda fase, as inspecções foram estendidas às casas particulares. Se os consumidores têm serviços públicos de qua­lidade não podem viver mal no seu lar. Há suspeitas de que muitas pessoas comem restos, fumam, apanham correntes de ar e outras práticas perigosas. Ao fim de poucos meses já se sa­bia que 65% do parque habitacional do País tinha de ser fecha­do e falava-se em detenções de construtores, senhorios e inqui­linos.

O pior foi quando a ASAE inspeccionou as prisões. Tendo decidi­do fechar todas as cadeias por má qualidade no serviço, deixou de ter locais para pôr os condenados das anteriores inspecções."

15 novembro 2007

Notícias de uma retórica rejuvenescida

As jornadas de retórica da UBI, no passado dia 9, foram um êxito. Investigadores, professores e alunos encheram a Sala de Conselhos da Universidade da Beira Interior para não perderem os mais recentes desenvolvimentos teóricos da retórica, uma disciplina que parece rejuvenescer com o tempo. Ao longo do dia foram apresentadas as seguintes comunicações:

Maria Carmen de la Cierva - "Los géneros retóricos desde sus origenes hasta la actualidad"
Manuel Alexandre Júnior - "Eficácia retórica: a palavra e a imagem"
Tito Cardoso e Cunha - "A noção de "género" como argumento na crítica de cinema"
Eduardo Camilo - "Por causa, justamente faço rir."
Regina Marques - "Retórica: origens e territórios de acção"
Américo de Sousa - "Da denegação à erosão mediática dos generos retóricos"


Vivos e informativos debates se seguiram, moderados pelos profs. José Rosa e André Barata.


No final, foi apresentada a nova Revista Rhêtorikê e a complementar wiki QuickRhêtorikê onde, de futuro, cada texto poderá ser não apenas lido mas também escutado (podcast). Para ficar com uma ideia mais concreta ouça aqui, por exemplo, a leitura que Manuel Prior faz de "A Retórica-Um saber interdisciplinar", de Manuel Alexandre Junior.

As jornadas foram organizadas pelo LabCom - Projecto Informação e Persuasão na Web, mas os meus parabéns (e agradecimento) vão especialmente para a Prof.ª Ivone Ferreira, que foi quem de tudo tratou com a eficiência e a simpatia de sempre.


12 novembro 2007

Jornalismo e verdade (5)


"É opinião. Não é jornalismo."

- disse na semana passada o Provedor do Público a um leitor.

"Não há comentários (nem artigos) objectivos."

- respondeu esta semana a outro.

Em qualquer dos casos, uma clara desqualificação da opinião jornalística.

Percebo perfeitamente a louvável intenção do Provedor. Mas eu que estou aqui de jornal aberto nas mãos, folheando-o da primeira à última página e que o vejo repleto de opinião, desde o tipo de assuntos que são chamados à primeira página, aos títulos, às imagens, à disposição gráfica, ao editorial, às crónicas (cada vez mais presentes), à reportagem, às entrevistas, à selecção e republicação de algumas declarações recentes, à crítica das artes (cinema, radio, televisão, teatro, literatura, ensaismo, filosofia, pintura, música, etc.) e à própria coluna do provedor, tenho um pequeno mas porventura proveitoso exercício a propor, que é muito simples:

- que o sr. Provedor pegue, um dia destes, numa qualquer edição do Público (ou outro jornal) e vá anotando o que segundo o seu douto critério é opinião. No final diga-nos, por favor, o que sobrou de jornalismo nesse jornal.

04 novembro 2007

Jornalismo e verdade (4)

Na primeira página do JN de hoje:



A "ferocidade" da jornalista

O duelo, que na chamada à primeira página é um "duelo feroz", passa a mero "duelo" no título a toda a largura da página 69: "Duelo na Blogosfera entre Pacheco e Luis Marinho". E passa bem porque quem tenha acompanhado a polémica pelo Abrupto sabe muito bem que o contraditório em causa teve de tudo menos de ferocidade. Despropositada, é, portanto, o mínimo que se pode dizer da referência que a jornalista faz no seu texto a "Um dos episódios mais ferozes". Tão despropositada que o leitor, depois de cair no logro, tem toda a legitimidade para considerar que o "duelo feroz" da primeira página foi um mero ardil para chamar (abusivamente) a sua atenção, o mesmo é dizer, para o enganar.

A "novidade" do jornal

A chamada deste suposto "duelo feroz" à primeira página, faz pressupor que o desenvolvimento do assunto traga alguma novidade ou oportunidade (que nao é a mesma coisa, como se sabe). Ora a pressuposta novidade residiria, neste caso, em tudo o que permitisse classificar o duelo como um "duelo feroz". A esse respeito, porém, o texto nada informa. Novidade, só no título e, falsa. E não se vendo qualquer razão de oportunidade (faz quase 1 mês que a polémica surgiu no Abrupto) salvam-se as pertinentes observações de Manuel Pinto e de Paulo Querido, aliás, mais ligadas às potencialidades e aos limites do recurso à blogosfera, do que, propriamente, ao assunto em discussão.

Jornalismo e verdade (3)


Que mais se poderá exigir a um jornalista, além da sua opinião sobre a verdade?

Jornalismo e verdade (2)


Porque é que tanto se desqualifica a opinião por ser subjectiva, quando só de opiniões dispomos para chegar à verdade?

03 novembro 2007

Jornalismo e verdade (1)


Dependemos de jornalistas que nos digam a verdade, que verifiquem, que não inventem.

- dizia há pouco um comentador convidado, no programa da Oprah.

Que verifiquem, sim. E não que sejam apenas honestos, como se vai por aí defendendo, à semelhança do que um dia afirmou o fundador do "Le Monde". Um jornalista honesto é, já se vê, um jornalista que não inventa. Mas jornalista honesto é ou pode ser também aquele que se limita a transmitir a informação tal e qual lhe foi fornecida pela fonte. Sem nada lhe acrescentar, sem a adulterar. Maior honestidade não é possível. E contudo, muito mais do que isso se espera de um jornalista.

Espera-se, entre outras coisas, que verifique os dados que lhe cheguem às mãos, que teste a veracidade do relato, que confirme a objectividade da interpretação. Claro que não se trata de uma exigência da verdade absoluta mas tão somente de um método, de um caminho de aproximação à verdade, que é o que o respeito pelo princípio da objectividade jornalística é.

Por certo que, em qualquer caso, a notícia terá sempre o seu "quid" de opinião, de subjectividade jornalística. Mas esta é a subjectividade trivial, própria da condição humana, uma subjectividade que, aliás, não tem de ser necessariamente uma coisa má, antes pelo contrário, quando assumida permite ao leitor distinguir mais facilmente entre os próprios factos e a interpretação que deles fez o jornalista. Mau é este fazer passar a notícia como pura verdade quando, em nenhum caso, da opinião se pode livrar.

02 novembro 2007

Questões de retórica contemporânea


A ida à Covilhã na próxima sexta-feira (9 Nov) de Maria Carmen de la Cierva e de Manuel Alexandre Júnior, no âmbito das Jornadas de Retórica da UBI (*), está a despertar a maior expectativa junto dos estudiosos da disciplina. Será, por certo, mais um importante sinal de afirmação dos estudos retóricos em Portugal. Para saber mais, pode ver aqui o programa.

(*) Organizadas pelo LabCom - Projecto Informação e Persuasão na Web.