29 outubro 2009

Racionalidade e inclinações da vida - o mundo da retórica

(...) a racionalidade mergulha as suas raízes naquilo a que os fenomenólogos chamam o mundo da vida; em inclinações como o gosto, o encontro, a permanência, o aplauso, o esquecimento, a desaprovação, a queixa e o reconhecimento há mais indicações de valor para o saber e o agir que em todos os preceitos metodológicos. A arte da vida é essa reflexividade comum que a filosofia prolonga e aprofunda, precisamente o contrário do fustigar permanente das certezas e dos hábitos fundamentais.

Daniel Innerarity, A FILOSOFIA COMO UMA DAS BELAS ARTES, Lisboa, Editorial Teorema, Lda, 1996, p. 15

28 outubro 2009

E especialmente na política

Esta técnica do discurso persuasivo [retórica] indispensável na discussão prévia a toda a tomada de decisão reflectida, tinham-na os antigos desenvolvido longamente como a técnica por excelência, a de agir sobre os outros homens através do logos, termo que designa simultaneamente, de forma equívoca, a palavra e a razão.

Foi assim que compreendi a rivalidade que opôs durante toda a antiguidade greco-latina os retóricos aos filósofos, aspirando uns e outros ao direito de formar a juventude, o filósofo preconizando a busca da verdade e a vida contemplativa, os retóricos concedendo, pelo contrário, o primado à técnica de influenciar os homens pela palavra, essencial na vida activa e especialmente na política.


Chaim Perelman, O Império Retórico, pp. 15-16

25 outubro 2009

Com uma caneta na mão

Segundo Richard Ford (*), um escritor prepara-se para escrever um livro o melhor que pode. "Mas no momento em que está sentado à secretária, com uma caneta na mão a preparar-se para escrever uma frase, tudo pode mudar". É muito parecido com viver a vida - diz o escritor. "Para ele, é impossível saber com precisão como é que um texto de ficção se transforma naquilo que é" - acrescenta Isabel Coutinho (Ípsilon), num texto de cariz promocional. E agora acrescento eu: bahhh... meras banalidades. Mais atenção me chamou o facto de Richard Ford, um escritor do tempo digital, dar a entender que ainda escreve "com uma caneta na mão". Para mim, foi aí que ele entornou o tinteiro.

* Escritor norte-americano, vencedor do prémio Pulitzer e autor do romance "A Pele da Terra"

in Ípsilon, 11 Set 2009).

24 outubro 2009

Um Freud maior do que a psicanálise

Freud é um caso sempre especial. Ninguém pode lê-lo hoje sem assumir uma feroz distância crítica, porque já estamos inevitavelmente dele distantes, porque escreveu muitos disparates, porque em nome dele se escreveram disparates ainda maiores, por­que a psicanálise enquanto terapia foi um logro por vezes com foros de irresponsabilidade. Mas, por outro lado, que grande escritor foi Freud, e quão absolutamente inteligente foi por vezes no seu diagnóstico da modernidade. É o autor mais citado do século XX. A importância dele hoje, ou sempre, tem a ver com a dimensão moral do seu pensamento, que alguns nem deram por existir. Freud é o mais importante pensador moral do século XX, e a sua influência aí é avassaladora. Foi o primeiro a pensar a moral como coisa necessária e necessariamente desligada, para nós modernos, de alguma fonte ou sanção que a tornem mais do que meramente humana. Que responsabilidade deu assim a cada um de nós, responsabilidade que se joga sempre na solidão do nosso eu.
Filipe Verde, Ípsilon, 11 Setembro 2009

19 outubro 2009

O ecrã e a palavra escrita

P. Como vê o futuro da literatura?

R. Acho que os leitores vão acabar. O público do romance diminui a toda a hora, em grande parte devido à tecnologia, que afasta as pessoas. O ecrã sempre distraiu as pessoas da palavra escrita, é um aparelho que exerce um imenso poder. Primeiro foi o ecrã de cinema, depois a televisão e agora o computador...

Philip Roth em entrevista à Actual, Expresso 17 Out 2009

Não estará Philip Roth a confundir aqui o romance com o livro, o conteúdo com o meio? A escrita não tem que desaparecer (nem desapareceu) do ecrã. Provam-no as inúmeras bibliotecas já acolhidas pela internet, a crescente distribuição de livros em formato digital, os próprios programas de conversação ou redes sociais online. Digo mais: estou convencido que a palavra e a escrita só sairão da internet quando sairem também das nossas vidas. Mas é bom de ver que, nessa altura, também já não fariam falta nenhuma.

18 outubro 2009

Voltei

Às aulas, ao escritório, ao blogue. É agradável esta sensação de recomeço. Primeira coisa a fazer: actualizar as minhas leituras blogosféricas. E cortesia com cortesia se paga: começarei pelos blogues de quem, como já me dei conta, nunca deixou de vir até aqui. Obrigado e até já.